Entre versos e vermes de Augusto dos Anjos em Leopoldina/MG
Francielle Férreira (Mística Literária)
A saga de viagens literárias continua. Após visitar o museu de Alphonsus de Guimaraens em Mariana/MG no ano passado, planejei outra viagem para conhecer o museu de outro poeta que admiro muito: Augusto dos Anjos. Já havia escrito sobre ele nesta coluna, mas quis aprofundar mais meus conhecimentos literários sobre o poeta da morte.
O Museu Espaço dos Anjos fica situado em Leopoldina/MG e foi a casa em que ele viveu de 22/06/1914 até sua morte em 12/11/1914, em virtude de uma pneumonia. Ele se mudou para essa cidade mineira, pois foi convidado para assumir a direção do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira. O poeta paraibano acabou falecendo na cidade que o acolheu tão bem, sendo enterrado no Cemitério Nossa Senhora do Carmo, em Leopoldina/MG.
O museu é pequeno e acolhedor, contendo inclusive a cópia da certidão de casamento de Augusto com dona Esther. O seu único livro publicado, intitulado Eu, também fica exposto na vitrine, junto a suas fotos, alguns de seus rascunhos de poemas escritos à mão, poucos itens pessoais, reportagens e livros que falam sobre ele. No espaço são realizados saraus e outros eventos culturais, além de se realizar o Concurso Nacional de Poesias Augusto dos Anjos. Este ano já será o 34º.
No local, há uma escadaria com o nome de algumas de suas poesias mais famosas, semelhante à que há no museu de Alphonsus. A funcionária do museu, chamada Zezé Salles, foi muito atenciosa e contou detalhadamente a história de Augusto e de sua esposa, Esther, que continuou morando no local. Inclusive, ela se casou novamente com o professor e poeta Júlio Ferreira Caboclo, que era um grande divulgador da poesia de Augusto.
Foi uma experiência emocionante pisar na casa em que esse renomado poeta morou, ver os cenários semelhantes e sentir a presença poética exalar em cada cômodo. Após visitar o Espaço dos Anjos, fui visitar o túmulo de Augusto no Cemitério Nossa Senhora do Carmo. Conforme Zezé havia dito, plantaram um pé de tamarindo perto do túmulo, tendo em vista que o poeta tinha muito carinho pela árvore e a citou em algumas de suas poesias. Na parede do cemitério, colocaram uma placa com a poesia “Vozes da Morte”:
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!
Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!
Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,
Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!
Foi muito poético terem plantado o pé de tamarindo para concretizar essa fúnebre poesia. No local, declamei uma das poesias que mais gosto dele, “O Coveiro”:
Uma tarde de abril suave e pura
Visitava eu somente ao derradeiro
Lar; tinha ido ver a sepultura
De um ente caro, amigo verdadeiro.
Lá encontrei um pálido coveiro
Com a cabeça para o chão pendida;
Eu senti a minh'alma entristecida
E interroguei-o: "Eterno companheiro
Da morte, quem matou-te o coração?"
Ele apontou para uma cruz no chão,
Ali jazia o seu amor primeiro!
Depois, tomando a enxada, gravemente,
Balbuciou, sorrindo tristemente:
— "Ai, foi por isso que me fiz coveiro!"
Coincidência interessante é que fui visitar o túmulo de Augusto em uma tarde de abril (19/04), e ele nasceu em 20/04/1884, em Sapé, na Paraíba. Assim como eu, ele fez Direito primeiro e depois se dedicou à educação, dando aulas no Rio de Janeiro e depois sendo diretor escolar em Leopoldina.
Sua poesia é brutal e até mesmo científica, pois aborda o hediondo da morte: a podridão, a decomposição, o pó, os vermes, túmulos, o coveiro — o ambiente melancolicamente fúnebre. Foi muito influenciado pelo Simbolismo. Diria que ele é o “poeta Frankenstein” da mortalidade e fragilidade humana, tema que aprecio sem medidas.
Por fim, outro poema dele que me marcou muito foi “O Deus-Verme”:
Fator universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundância ou na miséria,
Verme – é o seu nome obscuro de batismo.
Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diária ocupação funérea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.
Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrópicos, rói vísceras magras
E dos defuntos novos incha a mão…
Ah! Para ele é que a carne podre fica,
E no inventário da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!
Valeu a pena visitar o museu e o túmulo de Augusto dos Anjos, pois senti a conexão poética dominar minha alma. É indescritível o poder da literatura. O tempo passado e o presente se fundem na brincadeira das palavras cortantes que o poeta da morte e a poetisa gótica da dor compartilham.