Psiquiatra que atende em Arcos responde sobre riscos relacionados ao uso de maconha

Segundo Drª Cláudia Maciel, muitos pacientes relatam sintomas alucinatórios e persecutórios que podem ser transitórios ou desencadear outras patologias como esquizofrenia, por exemplo, após o uso de maconha (seja experimental ou crônico)

Psiquiatra que atende em Arcos responde sobre riscos relacionados ao uso de maconha
Médica psiquiatra Cláudia Maciel


O uso de maconha pode resultar em doenças físicas ou mentais? Para essa e outras abordagens, o Portal CCO entrevistou a psiquiatra Cláudia Maciel, que mora em Belo Horizonte e atende também em Arcos e Lagoa da Prata.

Drª Cláudia é psiquiatra há 25 anos, especialista em Saúde Mental, Dependência Química (pela Escola Paulista de Medicina) e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) por meio de curso e treinamento em Harvard.

Leia a entrevista: 


Quais os riscos físicos e/ou mentais relacionados ao uso de maconha (Cannabis sativa)?

Drª Cláudia Maciel:
As evidências atuais sobre os efeitos a longo prazo do uso de Cannabis e do transtorno por uso de cannabis em desfechos relacionados ao cérebro são fortemente sugestivas, mas não conclusivas, por dificuldades metodológicas (método da pesquisa). A capacidade cognitiva e as habilidades manuais podem estar prejudicadas. O uso de Cannabis está associado a um aumento do número de patologias psiquiátricas e gravidade das mesmas, tornando-as mais difíceis de serem tratadas e responderem ao tratamento. Pode haver recuperação das patologias após um período de abstinência, mas na imensa maioria dos casos, a patologia desencadeada se mantém a despeito da suspensão do consumo de Cannabis. A relação entre usuários de maconha e quadros depressivos, por exemplo, é controversa, mas muitos pacientes relatam piora dos sintomas depressivos e alguns sintomas alucinatórios e persecutórios. Os sintomas persecutórios também podem ser os primeiros sintomas de outras patologias como esquizofrenia, por exemplo. O uso crônico de Cannabis aumenta o risco de suicídio, como se observou num estudo entre veteranos de guerra do Afeganistão, nos EUA. A abstinência de maconha, desconhecida até início deste século XXI, é hoje caracterizada por irritabilidade, alteração no sono, ansiedade, alteração no apetite com perda de peso, inquietação, alteração do humor tendendo a depressão, dor abdominal, sudorese, calafrios, aumento da temperatura ou cefaleia.

A maioria dos usuários de maconha não evidenciam transtornos relacionados à substância, sendo que somente cerca de 20 a 30% dos usuários experimentaram algum transtorno relacionado ao uso de maconha [Referência: Alan J Budney et al. An update on cannabis use disorder with comment on the impact of policy related to therapeutic and recreational cannabis use Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2019 Feb].

O uso de maconha é responsável por complicações no sistema respiratório, alterações no sistema cardiovascular com sintomas como taquicardia, arritmias e hipertensão, assim como o risco de ocorrência de câncer (em múltiplos lugares) aumentado em relação à população e piora da evolução do tratamento de câncer. Há um aumento do apetite e menor predisposição a realização de exercícios físicos e, com isso, um aumento no peso corporal que é também um importante fator de risco para desenvolvimento de doenças como hipertensão, diabetes e câncer.

É comum encontrar pacientes indo à consulta psiquiátrica para tratar a dependência de maconha? Como fazer o diagnóstico?

Drª Cláudia Maciel:
Infelizmente, nos ambulatórios de psiquiatria geral a dependência de maconha raramente é motivo de consulta, sendo um achado clínico importante encontrado durante a entrevista clínica. Menos de 10% dos pacientes com problemas relacionados ao uso de maconha procuram um tratamento específico para o problema, nos EUA. No Brasil esse dado não foi pesquisado amplamente na população. O diagnóstico de dependência de maconha clinicamente se caracteriza por um padrão de uso da substância mesmo quando já se apresenta um problema (social, biológico e/ou emocional) relacionado ao uso de maconha ou já tenha sido orientado a não consumi-la, usa-se maconha por um tempo maior ou em quantidades maiores que se pretendia, existe um desejo persistente de usar e esforços malsucedidos de suspender o consumo a curto, médio ou longo prazo; fissura, uma necessidade de doses maiores progressivamente ou um efeito diminuído se consumida a mesma quantidade.


Quão prevalente é o consumo de maconha no Brasil? E a dependência de maconha?

Drª Cláudia Maciel:
A cannabis desfruta de um status social único, amplamente percebida como uma droga relativamente inofensiva, com vários benefícios relatados pelas pessoas que a utilizam. Esta percepção é parcialmente devida à sua longa história de uso em diversas culturas. Evidências científicas sugerem que um em cada dez usuários de maconha regulares irão desenvolver dependência de maconha (este número é muito maior entre usuários de cigarro e álcool, por exemplo). [Referência: Alan J Budney et al. An update on cannabis use disorder with comment on the impact of policy related to therapeutic and recreational cannabis use Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci. 2019 Feb]. Cerca de 6.8% da população adulta brasileira apresenta um quadro de dependência de maconha enquanto cerca 4.3% da população na adolescência preenchem critérios de dependência. [Referência: Prevalência do consumo de Cannabis em estudantes de uma universidade pública da Bahia: comparação entre inquéritos repetidos. Thiago Ferreira de Sousa e Mariana da Silva Ferreira. Mundo da Saúde 2020,44: 358-371). Nos EUA, o uso de maconha é mais prevalente entre adolescentes do sexo masculino, mas a razão gênero (masculino/feminino) tem diminuído nos últimos anos.

O uso de Cannabis é associado comumente com o uso de outras substâncias psicoativas, sendo as mais comuns o tabaco e o álcool. Daí a dificuldade de relacionar o uso de Cannabis a várias doenças, já que o uso de álcool e tabaco está coexistindo na população e também são fatores de risco para desenvolvimento e agravos a saúde. Mais de 63% da população que busca tratamento para dependência de Cannabis nos EUA apresentam um problema relacionado a consumo de outras substâncias.

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