APAC: recuperando além dos muros, recuperando famílias

A segunda matéria apresentando a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Conheça um pouco mais sobre o trabalho desenvolvido pela instituição que contribui para a recuperação eficaz de condenados e suas famílias

APAC: recuperando além dos muros, recuperando famílias

Na visita feita à APAC, a redação do Jornal CCO recebeu um grande número de informações, comprovando a complexidade das atividades e ações que a APAC desenvolve em benefício de seu objetivo maior: recuperar pessoas que cometeram algum crime, foram julgadas e estão privadas da liberdade.

Fomos recebidos pelo encarregado financeiro Bruno Coutinho e pela encarregada administrativa, Gabriela Vieira. 

Nesta segunda matéria, o CCO apresenta mais informações a entidade, suas atividades, disciplina, autogestão e entrevista o encarregado de segurança e um recuperando. 

Recuperar o apenado é trabalhar com a família

O método APAC se diferencia do sistema prisional comum. Em síntese, é baseado: na corresponsabilidade dos recuperandos (denominação apropriada para quem está na APAC) e na assistência espiritual, médica, psicológica e jurídica oferecida aos apenados e que prestada com a participação das comunidades onde estão localizadas as APACs. 

Nesta metodologia, Gabriela destacou que a presença da família é ponto importante e fundamental. É uma das condições para que o preso tenha acesso à APAC. “A família precisa estar presente, nas visitas, nas palestras e nos eventos, porque nos preocupamos também em recuperar a família”. Ela argumenta que, de nada adianta um trabalho de cinco ou sete anos, para ver o recuperando retornar a um ambiente, no qual o pai se droga, a esposa é dependente química, entre outros problemas que estimulam negativamente o recuperando. É, por isso, que é necessário incluir a família no processo de recuperação, com diversas atividades, tais como palestras sobre valorização humana, prevenção e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis entre outras. Além desses encontros e das visitas que ocorrem uma vez por semana, as famílias são encaminhadas para atendimento psicológico e, sendo necessário, para a assistência social do município.

Cuidando da saúde do recuperando

A APAC de Arcos é considerada uma unidade pequena, diante de outras maiores, segundo afirma Bruno. Por isso, não conta com o atendimento médico e odontológico, que é prestado pela Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro São Vicente ou, quando necessário, pelo Hospital Municipal São José. Por suas características a APAC/Arcos só pode contratar um técnico de enfermagem. 

Para o atendimento psicológico a unidade conta com dois profissionais de psicologia (um é funcionário contratado com recursos do Estado e outro é voluntário na entidade). Para o atendimento psiquiátrico, quando necessário, a APAC recorre ao Centro de Assistência Psicossocial (CAPS I) de Arcos.

Recuperandos participam ativamente da entidade

Como já foi visto na matéria anterior, cada recuperando, seja no regime semiaberto, seja no fechado, participa da organização, da limpeza e manutenção, inclusive da segurança da APAC.

Gabriela esclareceu que 80% da segurança da APAC é feita pelos próprios recuperandos, lembrando que o recuperando tem compromisso focado na sua recuperação. “A APAC é considerada, um Centro de Recuperação Social (CRS), onde até as chaves de acesso externo da unidade ficam com os recuperandos do ‘semiaberto’ e as chaves de acesso à galeria das celas dos recuperandos do sistema fechado ficam em poder deles”.

Administrando a própria disciplina

Outro aspecto da “metodologia APAC” é o Conselho de Sinceridade e Solidariedade (CSS). O CSS é um grupo constituído exclusivamente de recuperandos e que estabelece um elo disciplinar com a administração da instituição, sendo responsável por avaliar penas por faltas leves. “Faltas leves é o CSS que aplica a pena, enquanto faltas média e greves, as penalizações são avaliadas e aplicadas pelo Conselho Disciplinar, constituído por funcionários e presidido pelo encarregado de segurança” – afirma Gabriela. 

Ela, esclareceu que há penalidades administrativas como: reclusão, proibição do uso de telefone, suspensão da visita íntima, suspensão da remuneração do mês. Mas, destacou que, diante de uma agressão física grave, por exemplo, o recuperando poderá perder esta condição e retornar ao sistema prisional comum, após avaliação criteriosa – situação que é rara, conforme Gabriela.

“[...] Aqui é um mundo diferente”

Lucas Rodrigues, de 27 anos, está na APAC há três anos e já trabalhou como condutor e inspetor de segurança. Há cinco meses ele trabalha como encarregado de segurança. Lucas acompanhou a entrevista e sintetizou a questão disciplinar na entidade: “Quando eu ainda era inspetor, houve algumas ocorrências de fuga noturna. Mas, agora está mais tranquilo, sem fugas, sem brigas etc. Aqui é um mundo diferente” – comparou a metodologia APAC ao sistema prisional comum. A última fuga aconteceu há mais de um ano, em agosto de 2022.

Fala um recuperando

A reportagem do CCO, entrevistou J.P.C. de 37 anos, que ficou no encarcerado no presídio durante um ano e 11 meses. Ele está na APAC há quatro anos e sete meses. 

Ele, que estava no regime fechado, conta que a progressão para o regime semiaberto estava prevista somente para 2026 e ocorreu há poucos dias, no dia 11 de agosto de 2023. Ele afirma: “Foi resultado do trabalho de recuperação na APAC”.

Com a progressão, no semiaberto ele tem direito a cinco saídas temporárias de sete dias por ano.

O recuperando relembra de sua trajetória no período em que está na unidade: “Eu praticamente já passei por todas as funções aqui na APAC. Já trabalhei na cozinha e aprendi a cozinhar e me orgulho muito disso”. J.P.C. tornou-se “especialista em pizzas”, conforme conta Bruno: “Ele faz umas pizzas muito boas”. Mas, o que J.P.C. gosta mesmo é de cozinhar frango de todas as formas possíveis. 

“Preciso refazer minha carteira assinada. Nem profissão eu tinha e na APAC já abriu um leque de oportunidades”. Ele diz que ao sair, quando for possível trabalhar externamente, ele irá analisar o que a sociedade tem para oferecer para ele o que ele poderá oferecer para a sociedade. Ele conta que, na entidade, já concluiu o ensino Fundamental, o ensino Médio e um curso de Técnico em Meio Ambiente. “Só tenho a agradecer à APAC, aos voluntários e funcionários que me apoiaram, mesmo nos momentos em que nem eu acreditava em mim.” – avaliou com gratidão.