Moradores da rua Tenente Florêncio Nunes, em Arcos, devem apresentar defesa para não perderem moradias

Concessionária responsável pela Ferrovia diz que a área foi ocupada indevidamente

Moradores da rua Tenente Florêncio Nunes, em Arcos, devem apresentar defesa para não perderem moradias

A empresa concessionária responsável pela Ferrovia Centro Atlântica – que passa por Arcos – está ajuizando Ações de Reintegração/Manutenção de Posse para que moradores da rua Tenente Florêncio Nunes, no bairro Brasília, em Arcos, deixem suas residências. 

A justificativa é que estão ocupando indevidamente a área, que é de risco, onde não deveriam haver construções em um certo limite de metragem da via férrea. 

“As pessoas não teriam para onde ir. Teríamos um caos social” – diz Dr. Rafael Parisotto, promotor de Justiça

Em áudio enviado ao CCO na tarde de hoje (18), o promotor de Justiça Rafael Parisotto informou que já há algum tempo, a empresa entrou com Ação Coletiva, mas a mesma acabou sendo extinta por falta de individualização dos imóveis. Atualmente, está entrando com uma série de ações individuais contra proprietários de imóveis que estão na área de segurança da via. 

Segundo o promotor, a empresa notificou alguns proprietários para que saíssem das moradias. No entanto, como essas pessoas não atenderam à solicitação, a empresa passou a ajuizar Ações de Reintegração de Posse desses imóveis, “porque, em tese, seria proibido construir ali”.

O promotor explica que essas ações têm natureza coletiva, porque envolvem muitos moradores, sendo necessária a participação do Ministério Público, que tem se manifestado contra liminares de reintegração de posse. Dr. Rafael comenta que, embora seja um direito da empresa, que está correta em fiscalizar, as moradias são, na maioria, antigas; e não houve embargo e nem fiscalização, nem por parte da empresa e nem por parte do município. 

“As pessoas não teriam para onde ir. Teríamos um caos social, se esse pedido fosse atendido. Então, o MP, nas ações em que atuamos, fomos contra as liminares e, as que eu tenho conhecimento, não foram deferidas”. 

Diante do fato, o MP planeja pedir a suspensão de todas essas ações e instaurar um inquérito civil. Serão ouvidos representantes da empresa, do Município, da Defensoria Pública e os advogados que atuam nesses processos, para tentar uma solução coletiva. Serão considerados os interesses da empresa e dos moradores. “Na maioria são vulneráveis, pobres, que construíram ali porque não tinham condição de comprar um imóvel”.

Município precisa colaborar 

Em texto que descreve a intervenção do MP, feita no final do ano passado, consta que o promotor Rafael Parisotto requereu a intimação da empresa para informar o número de todas as ações de reintegração/manutenção de posse ajuizadas com o mesmo objetivo, nesta Comarca e na Justiça Federal. Também requereu a intimação do Município para informar se há algum projeto ou programa junto à empresa autora, para a solução desses casos. Ele ressalta que se as pessoas forem retiradas de suas casas, elas precisam ter um novo local para morar, “obrigação essa que cabe ao município acompanhar”. O promotor salienta que é preciso chamar o Município para que não haja violação de direitos das pessoas, trazendo um projeto de desocupação e garantindo o direito fundamental à moradia.

Orientação do promotor para os moradores 

O promotor orienta que a partir do momento em que os moradores receberem uma notificação ou uma citação judicial, devem recorrer a um advogado ou à Defensoria Pública e levar a documentação do imóvel para fazer sua defesa individual, explicando se tem alvará, se paga imposto, quem mora na residência e há quanto tempo. 

O MP também fará sua parte. “Paralelo a isso, o MP, como fiscal da Lei, vai atuar nesses processos, tentando uma solução que atenda aos interesses de todos, claro que sempre tentando proteger a parte mais fraca, dos moradores. Mas não podemos desconsiderar a questão legal”, explica.

Dr. Rafael disse que os processos individuais podem ter decisões conflitantes, como, por exemplo, um caso ter reintegração de posse e o outro não ter e a pessoa não ter para onde ir. “Por isso que precisamos chamar também o Município para o Processo”, acrescenta.  

Moradores estão lá há décadas

O CCO esteve na rua Tenente Florêncio Nunes na tarde de ontem (17), onde 10 moradores presentes relataram preocupação diante do fato. Também estivemos na porta da casa de uma senhora idosa que está com câncer (inclusive com balão de oxigênio no quarto). Ela optou por não conceder entrevista. 

A maioria das pessoas não tem condição de pagar aluguel, caso tenham que sair dali. Também não têm recursos para pagar advogado. Até a tarde de ontem, não tinham conseguido o auxílio da Defensoria Pública, uma vez que o atendimento presencial, pelo advogado, é semanal. 

“A gente não tem pra onde ir, a casa que a gente tem é esta”

O comentário é do pedreiro aposentado Nilton Donizete Sousa, 63 anos. Ele informou que comprou o terreno há 50 anos. Na casa moram: ele, a esposa, um filho e dois netos (dois meninos, um de 13 anos e outro de 10 anos). 

“Queria que o prefeito olhasse pra nós”

Simone Aparecida Modesto (40 anos), dona de casa, disse que a família não tem condição de pagar advogado, que cobraria R$ 3 mil. O marido dela está desempregado. São dois filhos (uma menina de 19 anos e um menino de 21 anos, que está trabalhando e recebe um salário mínimo). “Queria que o prefeito olhasse pra nós e desse uma força pra gente na Defensoria Pública, porque somos muitas pessoas aqui e todas têm suas necessidades”.

O casal mora na casa há 21 anos. Pagaram R$ 5 mil pela moradia.

“Minha mãe ia catando pedaço de tijolo no meio do mato e carregando na cabeça para poder construir”.

Rosilene Domingues Botelho (43 anos) é costureira e está desempregada. Tem uma filha de três anos e moram com a mãe, Francisca Rosa Botelho, de 75 anos. 

O imóvel foi comprado há mais de 60 anos, quando o local era um cerrado. “Era uma taperinha. [...] Minha mãe ia catando pedaço de tijolo no meio do mato e carregando na cabeça para poder construir. Meu pai teve derrame, ficava acamado; e ela, com seis filhos, chegou a um ponto de ficar com fome para dar comida pra nós. Ela vivia de doação. [...]. A casa era de barro. Ela mesma que fez, inclusive o fogão a lenha, porque ela não tinha fogão”.   

Segundo Rosilene, a rua não tem a devida atenção do poder público e raramente recebe serviço de limpeza, inclusive a ferrovia. Comentou que os políticos vão lá em períodos eleitorais e fazem promessas que não cumprem. “Nesse caso agora, com certeza o prefeito está sabendo. Ele tinha que vir aqui conversar com a gente [...]. É um descaso muito grande, nós pagamos nossos impostos e temos nossos direitos”.

Ao final da entrevista, ela pediu: “Que a Justiça olhe para nosso lado também”. 

“Estou pagando [advogado] até hoje”

Cláudio Rodrigues da Costa, 54 anos, está desempregado. Era forneiro. Mora na casa desde criança e foi um dos primeiros a receber notificação, há aproximadamente três anos. Na época, foi dito a ele que havia o risco de ele perder a casa, sem direito a nada. Isso teria acontecido quando Cláudio construiu um muro de arrimo para impedir que o terreno e a casa desabassem. Ele explica que a obra foi necessária porque “o barranco foi puxando a casa”. O custo com advogado ficou em R$ 4 mil e o valor foi parcelado. “Estou pagando até hoje”, contou. O advogado informou a ele que ganhou a causa, mas a Rede Ferroviária recorreu.

Desta vez, Cláudio ainda não foi notificado pela empresa.

A dona de casa Maria de Fátima Pereira, 67 anos, mora na residência que a mãe dela comprou há 60 anos. Ela também recebeu a notificação para deixar a casa. O marido dela, que era lavrador e está aposentado, contratou advogado. 

Cleide Marli da Silva, 67 anos, comprou o terreno da casa onde mora há aproximadamente 48 anos. “Eu mesma que construí e a Prefeitura fez dois cômodos pra mim”.

Empresa e Prefeitura 

O CCO entrou em contato com as assessorias de comunicação da concessionária responsável pela Ferrovia Centro Atlântica e da Prefeitura de Arcos, para que se manifestem sobre a situação.  

O secretário municipal de Integração Social, Sérgio Veloso, ligou na Redação e informou que recebeu, hoje (dia 18), 14 moradores da rua Tenente Florêncio Nunes. Afirmou que a Defensoria Pública irá atendê-los no próximo dia 25, às 13 horas. Também disse que a Secretaria irá designar um assistente social e um psicólogo para conversar com os moradores. A finalidade é a “garantia dos direitos dessas pessoas”, disse. 

A empresa enviou a seguinte Nota:

"A VLI, como controladora da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), tem a atribuição – que lhe é dada pelos órgãos regulatórios – de identificar a existência de imóveis integralmente ou parcialmente inseridos dentro da faixa de domínio da ferrovia, considerados irregulares pela legislação federal. A companhia ressalta, contudo, que quaisquer ações decorrentes dessa qualificação se dão por intermédio do Poder Judiciário e que eventuais intimações e notificações são realizadas por oficiais dos órgãos judiciais. A companhia esclarece que, caso seja determinada a remoção pelo Judiciário, ela é feita por meio de diálogo entre o poder público e as famílias, para que seja encontrada uma solução que atenda a todas as partes”.