Para o soberbo, TUDO é permitido
Série Vícios e Virtudes - Soberba e humildade

“A soberba é um distorcido desejo de grandeza”. A definição é de Santo Agostinho, citada no livro Sobre o ensino – Os sete pecados capitais, de Tomás de Aquino (Tradução e estudos introdutórios de Luiz Lauand, pág. 80). O autor relata que o vício da soberba é superar a própria medida do desejo de superioridade.
E por que a soberba é tão prejudicial? Não é raro ouvirmos comentários do tipo: “Você pode fazer tudo que quiser”; “Você tem que se amar primeiro”; “O importante é ser feliz”. Mas será que é isso mesmo? Até que ponto? Afinal, se a pessoa não reconhece que existe o certo e o errado, não se preocupa com preceitos e normas, isso pode induzi-la a atitudes como, por exemplo, deixar de pagar dívidas e usar o dinheiro para adquirir outros bens e serviços para “ser feliz”; ter uma atitude egoísta na vida, recusando-se a fazer simples gestos de generosidade até mesmo para familiares, com o argumento de que precisa “se amar primeiro” antes de amar os outros; tornar-se um assassino (porque é acometido pela ira ao ser contrariado) ou um ladrão (quando não tem dinheiro para satisfazer seus desejos de consumo) – tudo isso porque cresceu ouvindo que “pode fazer o que quiser”.
Nosso consultor para esta série, Prof. Dr. Pedro Jeferson Miranda, que leciona filosofia tomista e línguas clássicas, entre outras áreas de atuação, diz que a pessoa soberba está sujeita a todo tipo de vícios, porque, “ao se considerar acima de tudo que existe, surge um sentimento de que tudo lhe é lícito, até o que é claramente errado”. Aliás, ele lembra que esse foi o pecado de Satanás:
“Ao não reconhecer a Deus como é devido, separa-se em intenção Dele, caindo, se aprofundando e petrificando-se em uma autoimagem idolátrica. O soberbo é uma cópia humana de Satanás, com consequências menos drásticas, uma vez que somos temporais. Ainda assim, é o maior pecado e ofensa que podemos cometer. Essa ofensa vem acompanhada de uma grande amargura e sentimento de falta de sentido, ou mesmo pensamentos suicidas, pois claramente não somos a origem nem o fim último de todas as coisas. Mas o soberbo se engana, e defende que o seja, apesar de tudo à sua volta lhe mostrar o contrário: daí sua profunda angústia”.
A soberba está relacionada ao orgulho?
Prof. Pedro responde: “A soberba é uma desmedida na consideração que temos de nós mesmos. O orgulho, semelhantemente à soberba, é um amor desordenado por si mesmo que o faz considerar o princípio primeiro ou fim último de todas as coisas”.
Em seguida, ela cita alguns vícios que nascem desse desvio: a insubmissão, o não reconhecimento da fonte do Bem, a presunção, a vaidade, a ambição. “Podemos simplificar todas essas nuances da soberba como uma tentativa de usurpar o lugar, o direito e a dignidade que cabem só ao Criador. Por isso, diz-nos Santo Tomás que a soberba (orgulho) é o mais grave dos pecados, uma vez que indica a maior ofensa possível que pode ser cometida a Deus: ser ingrato e não reconhecer Aquele que dá o ser a todas as coisas que existiram, que existem e que irão existir”.
Humildade
Quanto à humildade, virtude oposta à soberba, uma das melhores definições está no livro A Vida Espiritual explicada e comentada, do padre Adolph Tanquerey. Ele diz que essa virtude “nos inclina a tratar-nos a nós mesmos como merecemos [...] e modera o sentimento que temos da nossa própria excelência” (pág. 581).
Isso não impede o reconhecimento das nossas virtudes, mas, “é a Deus – e não a nós mesmos – que se deve dirigir a nossa admiração”, orienta (página 582).
Nosso consultor lembra que a palavra humildade vem de humus. “Humus é um barro fértil, mas barro. Não é uma virtude ‘luminosa’ que os outros podem ver e que o virtuoso pode ser reconhecido, como a coragem, a temperança etc..”.
Ele explica que a humildade, oposta ao orgulho, está definida no campo da consideração que temos de nós mesmos. Descreve:
“Em um extremo é o orgulho, quando nos consideramos muito importantes e dignos de todas as honrarias; em outro extremo temos a humilhação, consideração de que somos completamente incapazes e não merecedores do status de humanos – há quem rebaixa a natureza humana à natureza animal. Assim, a humildade é o meio termo, ainda que mais próxima do extremo pela falta que pode ser definida como a justa consideração de nós mesmos sob a ótica do Criador. Ou seja, à luz da consideração de que há um Criador que por pura e livre vontade nos dá todo o bem que recebemos, toda a nossa existência e, portanto, todo o amor verdadeiro”
O que uma pessoa ganha por ser verdadeiramente humilde?
Em resumo, ganha a Felicidade! O professor explica:
“Além das graças sobrenaturais observadas na alma daquele que possui a virtude da humildade, há ainda dois efeitos observados que o tornam mais beato – ou seja, mais feliz. Em primeiro lugar, uma pessoa humilde tem maior propensão para ser livre ainda neste mundo, pois como sabe que não é criador completo de suas obras, dificilmente se sentirá ofendida, ou dificilmente alguém lhe tirará algo, pois ele sabe que tudo que realiza de bom é dom de Deus. O humilde, de certo modo, é impassível, ou seja, sofre pouco, pois é difícil ‘lhe tirar’ algo. Em segundo lugar, o humilde sempre terá o sentimento de que pode melhorar, assim podendo alcançar as outras virtudes, conhecimentos e boas ações. Ele nunca sentirá que está paralisado no topo de sua “carreira”, ou não ficará impressionado com seus títulos, honrarias ou reconhecimentos mundanos. Sua visão estará sempre acima disso tudo, seus olhos estão fixos em Deus. Assim, o humilde consegue sempre ter uma vitalidade e uma alegria de viver, pois encontrou seu lugar neste mundo e reconheceu e honrou seu Criador”.
O princípio da humildade na filosofia grega
Nosso consultor relata que, embora a humildade seja uma característica da era Cristã, existem dois casos interessantes de dentre os antigos filósofos gregos: “Um deles é sobre a estória da palavra filosofia, cunhada por Pitágoras para definir o estado daquele que ama a sabedoria, uma vez que um sábio autoproclamado é “injusto” ou não verdadeiro. Outro exemplo é a máxima Socrática: ‘Eu sei apenas uma coisa: sei quando sei e sei quando não sei’. Esse princípio é, equivocamente, traduzido como: ‘Tudo que sei é que nada sei’. Apesar desse erro conceitual de tradução, esse princípio carrega uma espécie de humildade que para os povos pagãos ainda não estava totalmente aclarado, pois é necessária a figura de um Deus único que nos ama, nos cria e nos sustenta”.
Terminamos aqui a 6ª reportagem da Série Vícios e Virtudes. A próxima e última será sobre a Luxúria e seu oposto: a Castidade.
Pesquisa, entrevista e redação: Jornalista Rita Miranda.