Santa Casa de Arcos permanece ‘no vermelho’, com risco de fechamento

Valores disponibilizados pela Prefeitura para este ano representam menos da metade dos R$ 6 milhões necessários

Santa Casa de Arcos permanece ‘no vermelho’, com risco de fechamento

No próximo dia 14 de setembro, estará completando um ano de intervenção judicial na Santa Casa de Arcos. Para informar aos leitores sobre o atual cenário desse hospital, que é o único de Arcos estruturado para internação, recorremos ao atual gestor administrativo e financeiro, Carlos Magno, que respondeu a todos os questionamentos do CCO, enviando as informações para a produção desta matéria. Ele assumiu o trabalho em outubro de 2022.

Como em outras épocas, a unidade continua “no vermelho”. Desde o início de 2023, foi identificado déficit mensal na ordem de R$ 300 mil. Em 2022, no mês de julho, o CCO foi informado pela provedora daquela gestão, Irmã Sandra Gontijo, que em maio daquele ano o déficit foi superior a R$ 280 mil (R$ 281.834,31) e que se repetia a cada mês, geralmente oscilando para valores maiores que esse. A ex-provedora assumiu a unidade em maio de 2019, na tentativa de evitar o fechamento em virtude de déficits anteriores. 

A Santa Casa é um hospital de média complexidade, “onde a tabela de remuneração dos procedimentos realizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) não se faz suficiente diante dos custos fixos e variáveis da instituição; os valores praticados nesta tabela estão sem qualquer reajuste desde 2003”, informa Carlos Magno.

Essa é uma justificativa pela qual a Santa Casa de Arcos depende de parcerias e programas Municipais, Estaduais e Federais, para se manter em funcionamento, “sendo impossível a manutenção dos serviços ofertados apenas com recursos próprios”, segundo Carlos Magno.

No caso de uma internação para tratamento de pneumonia, por exemplo, considerando uma permanência de quatro dias, o hospital recebe R$ 126,01 e o médico, R$ 19,59 por dia, em sistema de “pacote”, ou seja, valor para cobrir todos os materiais, medicamentos, alimentação, equipe multidisciplinar (fisioterapia, enfermagem, psicologia, nutricionista e serviço social), água, luz, higienização, equipe administrativa e demais custos. (Exemplo citado pelo gestor). 

A situação não se restringe à Santa Casa de Arcos. O gestor relata: “A Santa Casa de Arcos, assim como várias instituições filantrópicas, atualmente responsáveis por atender mais de 60% de todos os usuários do SUS em todo o país, vem passando por séria crise financeira ao longo dos anos”. 


Como é utilizada a contribuição da Prefeitura? 

O gestor da Santa Casa explica que a subvenção anual destinada pelos poderes Executivo e Legislativo (Prefeitura e Câmara de Vereadores) é, atualmente, uma das principais fontes de recursos para custeio do hospital, principalmente com destinação da manutenção da Folha de Pagamento em dia.

Como esse dinheiro é revertido em benefício da população? Ele explica: “Para todos os recursos destinados à Santa Casa de Arcos pelo poder Executivo do município (Subvenção Municipal), existe uma contrapartida destinada à prestação de serviços à população. Dentre os convênios celebrados, é elaborado um Plano de Trabalho com metas de prestação de serviço, dentre elas a realização de cirurgias, procedimentos estes que buscam atender à demanda reprimida da Secretaria Municipal de Saúde, com metas a serem cumpridas pela Santa Casa de Arcos em diversas especialidades, como cirurgias Ortopédicas, Ginecológicas, Gerais, Vascular, Otorrino, oftalmológicas e outras”. 

Em resumo, “os recursos municipais são utilizados para manutenção do hospital com aquisição de materiais, medicamentos, pagamento de prestadores de serviços, médicos e de colaboradores, revertendo esse investimento em atendimento à população”. 

Intervenções – De acordo com informação publicada pelo CCO em 16 de julho de 2022, a subvenção fixada pela Prefeitura para a unidade de saúde referente ao ano 2022 foi de R$ 1,6 milhão (R$1.631.858,33). O dinheiro não era suficiente e essa realidade era relatada pela direção da Santa Casa à mídia local e aos demais interessados. Em 8 de agosto do mesmo ano, a diretoria da Santa Casa foi surpreendida com uma intervenção administrativa feita por meio de Decreto Municipal assinado pelo prefeito Claudenir Melo. As duas interdições sanitárias da maternidade, feitas pela Vigilância Sanitária de Minas Gerais, uma vez que não foi comprovada a presença de pediatras 24 horas para atendimento aos recém-nascidos, foram alguns dos argumentos apresentados. A população foi prejudicada pela suspensão dos serviços de parto. A primeira interdição foi em 8 de julho de 2022 e o serviço foi restabelecido em 19 de julho do mesmo ano. A segunda aconteceu em 8 de agosto de 2022, mesma data da interdição administrativa decretada pelo prefeito. 

A escassez de pediatras – em nível nacional – e os pedidos de reajuste do valor do sobreaviso, pago pelo Governo Municipal, foram motivos alegados para a falta do atendimento desses médicos. Em outra ocasião, a então provedora já havia reivindicado a atualização dos valores pagos aos médicos de sobreaviso, inclusive tendo abordado o assunto em reunião na Câmara. 

Em decisão publicada em 14 de setembro do mesmo ano, o então juiz, Tiago Barbosa, suspendeu o Decreto Municipal e instalou-se a intervenção judicial pelo período inicial de um ano.


São necessários R$ 6 milhões para um ano 

O atual gestor informou ao CCO que desde o início de 2023, após a conclusão do diagnóstico econômico/financeiro da Santa Casa, momento que identificaram o déficit mensal na ordem de R$ 300 mil, iniciaram várias ações com o objetivo de tentar equalizar esse cenário.

Buscaram reduzir custos fixos e variáveis e também melhorar a produtividade, para aumentar a entrada de recursos financeiros. Contudo, diz Carlos Magno, diante do déficit expressivo identificado, perceberam que “o caminho mais eficaz, em um curto espaço de tempo, para reverter esse cenário financeiro adverso, seria solicitar apoio da Prefeitura de Arcos, com a revisão dos valores previstos para a subvenção de 2023”.

Inicialmente, o valor previsto para repasse ao longo deste ano era,  aproximadamente, R$ 1,6 milhão (R$ 1.600.000,00), “bem abaixo dos R$ 6 milhões necessários no ano”, como afirma Carlos Magno.

Depois da apresentação dos indicadores financeiros ao Município, no dia 02 de maio de 2023 foi realizada uma reunião entre a Comissão Interventora da Santa Casa de Arcos e o prefeito Claudenir José de Melo ‘Baiano’, que, em caráter emergencial, solicitou a elaboração de Projeto de Lei para aprovação do poder Legislativo, para aporte financeiro a título de subvenção no exercício 2023, no valor de R$ 800 mil. Somando os dois valores, o valor de repasse para este ano é de R$2,4 milhões (R$ 2.400.000,00). Ou seja, menos da metade dos R$ 6 milhões necessários – ainda faltam R$ 3,6 milhões (R$ 3.600.000,00). 


Medidas para redução de custos 

Ainda citando o período de intervenção judicial, o gestor relata que foram realizadas ações para diminuir os custos do hospital, como adequação na Folha Mensal de Pagamento, reduzindo R$ 30.061,49 mês, o que gera uma economia de R$ 360.737,88 ao ano; revisão nos contratos existentes, avaliando a real necessidade e os valores acordados; a restruturação do setor de Compras para melhorar as negociações comerciais com os fornecedores e prestadores de serviço e, consequentemente, reduzir o valor de desembolso mensal.  


Folha de pagamento dos colaboradores e repasses para os médicos de sobreaviso 

O gestor afirma que, desde o início da Intervenção Judicial, a folha de pagamento dos colaboradores, assim como os encargos e benefícios estão sendo pagos rigorosamente em dia, conforme determina a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Os pagamentos de sobreaviso médico também estão em dia. O recurso é contemplado na subvenção repassada pelo Município e consta no Plano de Trabalho do mesmo.


Atrasos no pagamento dos plantões médicos presenciais 

Já os repasses dos plantões médicos presenciais estão sendo realizados mensalmente, mas com algum atraso. Para essas remunerações, a Santa Casa depende dos recursos próprios e do repasse do SUS, que como citado acima, é insuficiente para cobrir os custos dos atendimentos. “Por isso, nossa preocupação com a Dotação Orçamentária para o ano de 2024 [da Prefeitura de Arcos]. Sem um orçamento bem definido, corremos o risco de não conseguirmos honrar com os pagamentos com Folha e repasse médico, os dois principais gastos mensais do hospital”, alerta o gestor. 


Escala de médicos 

“Diante da insuficiência desse recurso para cobrir o ano de 2023 em sua totalidade, é preciso ajustar esse valor anual, ainda para o final de 2023 e, principalmente, para o exercício de 2024”  

O CCO perguntou ao gestor se a escala de plantões e sobreavisos médicos, atualmente, está sempre completa. Carlos Magno responde afirmativamente. 

A escala de sobreaviso de todas as clínicas (Pediátrica, Cirúrgica, Obstetrícia, Anestesiologia e Clínica Médica) estão completas atualmente, durante o primeiro ano de intervenção judicial, com os pagamentos médicos em dia, até o momento, conforme já citado. Mas ele ressalta que o pagamento da escala de sobreaviso está contemplado dentro da subvenção municipal e que diante da insuficiência desse recurso para cobrir o ano de 2023 em sua totalidade, é preciso ajustar esse valor anual, ainda para o final de 2023 e, principalmente, para o exercício de 2024.  


Risco de fechamento 

Carlos Magno informa que, diante do déficit já apurado e ausência adequada de recursos para exercício de 2024, caso não haja aumento no valor da subvenção municipal para os 6 milhões necessários por ano, existe risco da descontinuidade dos serviços médicos hospitalares, ou seja, fechamento da Santa Casa.

Perguntamos se esse risco é imediato ou para 2024.  Ele respondeu que qualquer instituição com déficit financeiro recorrente corre o real risco de entrar em colapso e ter suas atividades encerradas. “Com um hospital não é diferente. O que nos difere das demais instituições é o impacto negativo na assistência à saúde da população, principalmente a Santa Casa de Arcos sendo a única instituição habilitada e com estrutura para acolher os pacientes em caráter de internação e na realização de procedimentos cirúrgicos eletivos e de urgência”.

Ele cita a Dotação Orçamentária a ser definida pelo poder Executivo para o exercício de 2024, que estava prevista para ser apresentada por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA) ao Legislativo Municipal na data de ontem (31 de agosto). “Precisamos discutir os recursos destinados à Santa Casa de Arcos para manutenção do funcionamento da instituição hospitalar em 2024”, informa.

O gestor ressalta que durante o ano eleitoral de 2024, os atos dos gestores municipais ficam restringidos diante da Lei Eleitoral (Lei 9504/97). Em resumo, explica: “Caso o orçamento de 2024 não seja bem planejado, o poder Executivo fica impossibilitado de destinar recursos extras para a Santa Casa de Arcos. Diante do déficit já apurado e apresentado ao poder Executivo Municipal, ausência adequada de recursos o exercício de 2024, coloca-se em risco a continuidade e manutenção dos serviços médicos hospitalares.


Construção de UPA é importante, mas não é adequada para internação de pacientes 

O prefeito de Arcos pretende investir na construção de uma UPA. Acredita-se que o prédio terá uma estrutura física bem mais mais ampla que a do Hospital Municipal “São José”, com leitos confortáveis e maior segurança sanitária (com distanciamento dos pacientes, por exemplo). Mas, será que terá serviço de nutrição e banheiros adequados para banho?

Isso é relevante quando se considera que é comum os pacientes de pronto atendimento ficarem mais de 24 horas na unidade aguardando por transferência. Diante do comentário do CCO, Carlos Magno disse acreditar que a construção da unidade, conforme o Poder Executivo pretende realizar, irá contar com uma estrutura física bem mais adequada que a existente no “São José”, mas, provavelmente, por se tratar de uma unidade ambulatorial de Urgência e Emergência, não contará com todos os recursos disponíveis como uma unidade hospitalar.


Contribuição da população e da AMA 

Além do trabalho efetivo realizado pela AMA (Associação Mão Amiga) desde julho de 2009, a Santa Casa de Arcos também conta com a contribuição da população de Arcos e região por meio do serviço de captação e doações. Atualmente, a contribuição mensal é de 667 doadores, com um ticket médio de R$ 16,55. Carlos Magno agradece e diz que essas doações contribuem muito na manutenção dos atendimentos dos pacientes mais carentes que recorrem à Santa Casa de Arcos. Também observa a relevância do trabalho desenvolvido pela AMA: projetos de arrecadação destinados ao hospital, doações próprias de tecidos e enxovais e atuação diária no acolhimento dos pacientes.


Necessidade de apoio das empresas 

Quanto à participação das empresas que atuam no município e região, o gestor diz que desde o início de suas atividades no hospital, com exceção da CEMIG, que agraciou o hospital com o projeto de instalação da usina de fotovoltaica, que irá representar uma economia de 75%, aproximadamente, na conta de luz, não houve suporte de nenhuma outra instituição.

“Sabemos do potencial industrial do município de Arcos. É de extrema importância que grandes empresas contribuam para a saúde da população, criando ações e projetos para reverter parte dos resultados em prol social. Gostaria de aproveitar este espaço para convidar as grandes empresas de Arcos e região para apoiar a Santa Casa de Arcos, possibilitando, assim, proporcionar acolhimento a população”.


O problema da Santa Casa de Arcos é de gestão ou falta de dinheiro?

Em resposta, Carlos Magno disse que artigos acadêmicos publicados pelo Conselho Regional de Administração (CRA) apontam que a gestão hospitalar é a segunda mais complexa dentre vários segmentos. 

“O que posso afirmar é que ao assumir a Direção da Santa Casa de Arcos identifiquei muitas fragilidades no hospital; e que estamos buscando desenvolver e implantar várias ferramentas de gestão”. Ele cita as seguintes: BSC (Balanced Scorecard), POP (Procedimento Operacional Padrão), Orçamento anual (BUDGET), definição de KPIs Estratégicos (indicadores). 

“Para uma gestão mais assertiva, precisamos de dados e fatos que corroborem para as corretas tomadas de decisões. Não se gerencia o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há sucesso no que não se gerencia. ”, segundo William Edwards Deming.

Ele argumenta: “Mas, na minha visão, não adianta aplicar todas as ferramentas de gestão conhecidas, mapear os processos e buscar melhorias contínuas, sem um recurso adequado para no mínimo “fechar as contas mensais no azul”; em resumo, uma coisa complementa a outra, precisamos de recursos em um montante adequado e que o mesmo seja gerido de forma coerente e assertiva”, conclui.    

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