“Dona Preta”, arcoense, tem 107 anos e gosta de uma pinguinha bem pequena

“Dona Preta”, arcoense, tem 107 anos e gosta de uma pinguinha bem pequena
'Dona Preta', 107 anos

Maria Conceição de Oliveira (Dona Preta) nasceu no dia 27 de fevereiro de 1916, no então “arraial de Arcos”. Provavelmente, é a pessoa mais idosa do Município. Está com dificuldade para ouvir, enxergar e para andar, mas consegue dialogar um pouco e demonstra bom humor. 

Perdeu o pai quando tinha apenas 7 anos. Foi criada pela mãe, Maria Pitangui, com a ajuda da família “Folheiro”.

Casou-se por volta dos 13/14 anos, com Sebastião Fortunato de Oliveira. O casal teve quatro filhos: Maria do Carmo, que está com 90 anos e mora em Jaboticabal/SP; Sebastiana Fortunato, 86 anos, residente em Piumhi; Expedito, 83 anos, mora em São Paulo; Lázara (falecida).

Depois de se separar do marido, teve uma segunda união, com Pedro Januário (“Pedro Balão”). Também tiveram quatro filhos: Pedro Januário – Duca (era pedreiro e faleceu em 2019, aos 72 anos), Benedita (74 anos, mora em São Paulo, era costureira), Jorge Januário (72 anos, aposentado, era mecânico de manutenção) e José Januário (conhecido como Zé Binhanco, 69 anos, microempresário e cantor de música sertaneja).

O filho Jorge Januário e a esposa, Maria José Queiroz Januário, moravam em São Paulo e vieram para Arcos em abril de 2020, no início da pandemia. Eles são os cuidadores, juntamente à ex-nora de Dona Preta, Gedalva Pinheiro de Andrade.  

Ao descrever a mãe, Jorge destaca: “Dona de casa, era muito trabalhadeira, lavava roupas no córrego, buscava lenha na cabeça, nos pastos da redondeza; fazia geleia de mocotó para vender e foi sacoleira. Sempre teve esse espírito de mulher batalhadora, sempre trabalhou, desde a infância”. Também foi ‘raizeira’. “Conhecia todo tipo de raiz e fazia garrafadas para pessoas da família. Ela foi criada pelos Folheiros (Chico Folheiro) e aprendeu muito sobre raízes, com o povo antigo. Era menina, muito esperta... e foi aprendendo tudo de ouvido”.

Jorge enfatiza que a mãe dele foi uma mulher “à frente do tempo dela”, que sempre teve iniciativa. “Quando a gente chegava aqui, ela saía e chegava com um tanto de sacolinhas do mercado e do açougue e gente perguntava: Mãe, por que a senhora não mandou um de nós buscar? Ela falava: ‘Quem quer, faz; quem não quer, manda...’. Nunca esperou por ninguém, sempre tomou iniciativa”. 

Durante a entrevista, ao elogiarmos o par de brincos dela, logo disse: “Foi juntando dinheiro da venda de geleia que comprei os brincos e muitas outras coisas...”.

Jorge também fala do pai, Pedro Januário, que morreu aos 68 anos, em 1980. Dona Preta ficou viúva há 43 anos. Ele conta que o pai alegrou muito a cidade de Arcos, tocando sanfona. “Ele era um polivalente (...) plantou lavoura, fazia serviço de pedreiro, carpinteiro (...) fazia o que aparecia”.

“Éramos felizes e sabíamos que éramos felizes”

Dona Preta já morou na rua Álvares da Silva, na “Augusto Lara” e, atualmente, continua na região central. 

Mesmo com uma família numerosa, Jorge comenta que nunca faltou o básico. “Na vida simples, com nossos hábitos, você aprende a conviver... Seu estilo de vida é conforme onde você mora, nós fomos felizes aqui nesse cantinho [...]. E éramos felizes e sabíamos que éramos felizes!”.

Dona Preta educou os filhos com firmeza, mas sem bater 

Na pós-modernidade, com tantas ideologias que desviam as crianças e os jovens do caminho da retidão, a educação dos filhos é um desafio. Nascida no início do século passado e com pouco estudo, Dona Preta soube educar seus filhos. “Ela exigia respeito. Não era de bater... e meu pai também nunca foi de bater. Era aquele tipo de homem que só do jeito de olhar, a gente já entendia, mas não por medo, por respeito! Ela, do mesmo jeito”, lembra Jorge, afirmando que a família sempre viveu em harmonia, em paz, obedientes aos pais. “Foi o que eles sempre ensinaram pra gente: ser obedientes, não mexer no alheio. A gente seguia esse padrão, dentro daquela vida simples, tímida. Tivemos uma vida satisfatória (...). Jogávamos bola na rua, fazíamos rodinhas aqui na rua à noite e os nossos pais e os vizinhos contavam histórias pra nós. Brincávamos de roda também”.

Dona Preta ensinou aos filhos o valor do trabalho. “Quando eu comecei a ganhar um dinheirinho, vendendo pão, trabalhando como servente de pedreiro, eu colocava o dinheiro na mão dela e ela administrava. Eu pedia pra ir ao cinema e ela me dava o dinheiro. Eu não trabalhava por exigência dos pais, mas pela natureza humana, aquele desejo de ajudar a família a fazer alguma coisa”, conta Jorge.

Os bailes

A vida de Dona Preta não era só trabalho. Ela gostava de acompanhar o marido nos bailes onde ele tocava. Jorge conta que esses encontros aconteciam quase todos os sábados, nas residências de Arcos. “Limpavam o terreiro e faziam os bailes. Aqui em casa, muitas vezes, quando não tinha baile no sábado, eles juntavam aqui para ensaiar. Minha mãe fazia umas almôndegas e tinha uma pinguinha. Era uma vida feliz”.

Alimentação 

Quando Dona Preta ia para os pastos buscar lenha, também “fazia a feira”. Levava para casa alimentos como broto de taboa, gravatá, “Maria Nica”, umbigo da bananeira. Fazia revogados e a família comia com arroz, feijão e carne de porco. “Meu pai sempre tinha um porquinho no chiqueiro. Quando matava, dava um pedaço pra quem ajudava a criar.  E, assim, tínhamos carne quase o ano inteiro. E éramos felizes e sabíamos que éramos felizes!”.

Durante nossa visita à casa dela, Dona Preta nos disse que gosta de comer arroz, feijão, angu, abóbora. Sobre bebida, ela comentou: “Mulher tonta é muito feio. Gosto de uma pinguinha pequena”. 

Atualmente, a alimentação dela é batida, a exemplo do caldo de feijão com legumes. Também gosta de sopa de macarrão com legumes. “Tudo que a gente dá, ela come. De manhã, eu coloco no prato: broa de milho salgada, biscoito, pão doce, bolacha. Ela tem um apetite fora de série...”, conta a nora Maria José.

Três cuidadores voluntários 

Enquanto muitas famílias abandonam seus idosos em casa ou levam para asilos, Dona Preta é assistida por três pessoas: o filho Jorge, a esposa dele (Maria José) e a ex-nora, Gedalva Andrade. “Antes da gente vir pra Arcos, ela [Gedalva] já estava aqui. Antes estava meu irmão e minha cunhada, que faleceu. Gedalva veio e ficou. Tomou uma atitude difícil: uma ex-nora cuidar da ex-sogra. Ela abraçou a causa, é voluntária”, conta Jorge, lembrando que a ex-cunhada cuidou também do ex-marido, no final da vida dele.   

Boa saúde

Até os 80 anos de idade, ela viajava sozinha até São Paulo, para ir visitar o filho. Dona Preta tem ótima saúde, sem hipertensão, sem diabetes. Não teve Covid.   “A gente leva no médico, ele passa a mão na cabeça e fala: ‘Poxa, eu queria ter uma saúde assim...’ ”, comenta o filho. Ela toma apenas um medicamento para ansiedade, para conseguir dormir bem. Também gosta de uma “pinguinha”, um dedinho só, de vez em quando. 

Quando necessário, é acompanhada pelo PSF (Programa Saúde da Família) e também pelo cardiologista Cleudir Guimarães.