Os riscos da escolha de um curso superior aos 18 anos, sem orientação

Segundo psicóloga que atende em Arcos, alguns jovens se sentem “perdidos”, sendo necessário refinar os critérios de escolha

Os riscos da escolha de um curso superior aos 18 anos, sem orientação

O que você quer ser quando crescer? Quando somos crianças, geralmente ouvimos essa pergunta e nosso imaginário começa a resgatar cenários de profissões e de pessoas que estão executando as tarefas. É comum, na infância e adolescência, “escolhermos” uma profissão e mudarmos de ideia várias vezes. Com isso, fica a dúvida: será que a idade ideal para a escolha é mesmo aos 17 ou 18 anos, ao terminar o ensino médio? 
Nessa idade estamos, de fato, preparados para escolher um trabalho que deverá “custear nossa vida” para não dependermos de nossos pais ou responsáveis? Afinal, muitos jovens acabam investindo tempo e dinheiro [dos pais] no curso errado. Outros, talvez influenciados por “mentores da Internet”, querem continuar no “casulo” e começar a vida trabalhando em casa mesmo - home office.
Um modismo do momento entre jovens que nunca trabalharam ou têm pouca experiência é dizer: “Quero ser PJ!”. Ou seja, dizem que não querem trabalhar com registro em carteira, protegidos pelos direitos legitimados na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que também estabelece deveres. Um dos argumentos é que, sendo “Pessoas Jurídicas”, trabalham quando quiserem, estando onde quiserem, utilizando os recursos tecnológicos – “nômades digitais”.  Seria o emprego dos sonhos! Até que ponto pode ser uma realidade para todos? 
Para a abordagem sobre a escolha da profissão, o CCO recorreu à psicóloga Renata Daniele Pinto, formada pela PUC Minas em Arcos, capacitada em Orientação Profissional e de Carreira, especialista em Psicologia do Trânsito e técnica em Recursos Humanos. Nesta matéria, é ela quem responde aos nossos questionamentos e faz abordagens sobre as reflexões propostas.  
Renata trabalha com Orientação Profissional há aproximadamente dois anos, realizando atendimentos individuais presenciais ou on-line. O objetivo é “proporcionar ao jovem orientando uma maior clareza de suas necessidades e objetivos, para que ele dê seu primeiro passo rumo a uma profissão”.
Durante o processo, ela auxilia o jovem a fazer contato com “aspectos internos (que são os valores, as habilidades, os interesses, as preferências, necessidades, influências etc.)”. O orientando também é incentivado a pesquisar sobre as profissões e o mercado de trabalho. Geralmente, são 10 sessões, com três momentos:  Autoconhecimento, Realidade Profissional e Tomada de Decisão. “O jovem orientando, através desta abordagem, é colocado como autor de sua própria narrativa, é ele que detém o conhecimento e o saber sobre si. Utilizo técnicas estruturadas que enfatizam meu diálogo com o orientando”.
Sobre a escolha um curso superior aos 17 ou 18 anos, quando se conclui o ensino médio, a psicóloga comenta: 
“O momento de escolher uma profissão não é fácil, ainda mais por se tratar de uma fase de transição, pois simboliza para muitos desses jovens o início da fase adulta, marcando sua independência. Eles sofrem influências de vários fatores: sociais, econômicos, educacionais, psicológicos, dentre outros”.

Jovens que se sentem “perdidos”

A psicóloga tem observado o seguinte cenário: “Muitos jovens chegam ao final ensino médio perdidos, por não terem sido preparados durante a fase escolar quanto a escolha profissional, sendo um dos principais desafios da fase adulta”.  
Ela mencionou pesquisas evidenciando que, nos últimos anos, tem aumentado o número de jovens que não se sentem preparados para escolher uma profissão ou entrarem no mercado de trabalho. “Falta-lhes um norteamento, visto algumas escolhas sofrerem influência dos fatores que mencionados acima. Muitas dessas dúvidas ocorrem por não ter averiguado todas as possibilidades, ou ter uma ideia ‘fantasiosa’ com relação a escolha almejada. Isso pode levar a escolhas equivocadas e, consequentemente, a insatisfação quanto ao curso realizado”. 
Nesse contexto, Renata disse que já foi procurada por universitários que passaram por dois ou três cursos de graduação e ainda se encontram perdidos. “Noto, primeiramente, a necessidade de se conhecer, para então ir para o mercado de trabalho em busca de uma profissão, atendendo a seus interesses”, orienta.

Se o adolescente está em dúvida, não seria melhor investir em curso técnico e ao mesmo tempo em um trabalho, para conviver com diferentes profissionais até que decida a carreira que deseja seguir? 

Diante dessa pergunta, a psicóloga responde que trabalha junto aos clientes com várias perspectivas de carreira, considerando cursos de graduação, técnicos e de curta duração. “No método que aplico, o coloco para pensar nas diversas esferas, como ambientes de trabalho, objetos de trabalho, horário; e não menos importante, os retornos que esse trabalho pode oferecer. Lembrando que irei apoiá-lo a fazer a melhor escolha alinhado aos seus valores, interesses e às demandas do mercado”.

Dicas para os jovens que estão em dúvida quanto à carreira profissional 

Renata sugere:  
1. Faça uma lista nomeando suas habilidades (aquilo que fazem bem-feito), seus interesses e preferências. 
2. Retire dessa lista 5 habilidades, que são suas prioridades; enumere em grau de importância. 
3. Inicie sua pesquisa por profissões relacionados às suas prioridades. 

Segundo Renata, essa técnica irá nortear o adolescente, “refinando seus critérios de escolha”. 

Como dito anteriormente, autoconhecimento é o começo de tudo. “Em meus atendimentos, sempre coloco a importância de olhar para si e, em seguida, olhar para fora e verificar o que faz sentido para o orientando no atual momento em que se encontra. Ressalto que hoje, quando falamos de escolha profissional ou carreira, estamos falando na construção de seu projeto de vida, buscando sentido nas atividades que realiza”.

Consequências da falta de ocupação na adolescência e na juventude

A incerteza quanto ao futuro profissional, o medo de não ter uma profissão e a falta de ocupação são situações vistas no dia a dia entre as circunstâncias que causam irritabilidade e tristeza, assim como sintomas parecidos com os de “ansiedade”, “síndrome do pânico” e depressão, fazendo com que o adolescente ou jovem acredite que está “doente” e procure um psiquiatra. É claro que não se pode descartar essas possibilidades, mas o diagnóstico deve ser feito com rigor técnico, cautela, sensatez e um bom diálogo. Nem tudo é doença. 
Sobre isso, Renata explica que a fase da adolescência é marcada por transformações físicas e de construção da identidade; e esse início para a fase adulta provoca diversas reações internas, levando à indecisão, “além da incerteza do vir a ser, ou seja, como será seu futuro após o término do ensino médio”. 
“Como psicóloga, além de orientadora profissional, sinalizo para meus clientes para que busquem o profissional adequado, quando estão presentes fatores que interferem ou impedem seu processo de escolha”. A psicóloga destaca a importância do cuidado com a saúde física e mental e a busca por atividades que refletem bem-estar e senso de propósito na vida”.

O que deve motivar a escolha de uma carreira profissional?

Um estudante que não gosta e tem muitas dificuldades na área de Ciências Exatas deverá insistir nas engenharias e nos cursos nas áreas tecnológicas, que dependem do raciocínio matemático? Um estudante que não gosta de Biologia e Química e tem muitas dificuldades nessas disciplinas deverá insistir na Medicina? Afinal, chegando ao curso superior, os estudantes deverão ter grande conhecimento do conteúdo do ensino básico, para que consigam compreender o conteúdo da profissão e se aprofundar nele, em busca da excelência. Nesse sentido, a motivação consciente e sensata é importante para a escolha de uma profissão.
Sobre essa proposta de reflexão, Renata enfatiza: 
“É importante que o jovem em processo de escolha tome consciência de seus potenciais e possibilidades, que estão atrelados à profissão escolhida; que considere diversos fatores e que os retornos dessa profissão estejam atrelados às suas habilidades e preferências”.
A psicóloga explica que quando fala de retorno não está se limitando aos retornos financeiros ou de prestígio, mas a algo que faça sentido e proporcione satisfação. “Durante a orientação profissional, olhamos para dentro e para fora, me refiro ao autoconhecimento e ao mercado de trabalho”. 
Mencionamos acima o curso de Medicina. De acordo com matéria do site Insper:  https://www.insper.edu.br/noticias/geracao-z-quais-sao-as-profissoes-mais-desejadas-pelos-jovens/, postada em janeiro de 2023, as pessoas da “Geração Z” (nascidas por volta da segunda metade dos anos 1990 até 2010 – hoje com idade de 14 a 34 anos) estão interessadas nas mesmas carreiras tradicionais das gerações anteriores. A conclusão está em uma pesquisa realizada pelo site americano de notícias Axios, que no início de 2023 ouviu 824 jovens com 18 a 29 anos nos Estados Unidos. “De acordo com o levantamento, a carreira mais almejada por esses jovens (citada por 14% dos entrevistados) é a de empresário, seguida pela de médico (12%) e de engenheiro (9%)”.
Em pesquisa na Internet, referente à preferência dos jovens brasileiros, a área de Saúde lidera, seguida por Vendas/Mídia/Marketing. https://iesla.com.br/as-10-areas-mais-atrativas-para-jovens-brasileiros/.
Com o crescimento do número de faculdades no Brasil e consequente aumento no número de vagas, está mais fácil ingressar nos cursos anteriormente muito concorridos, como o de Medicina.  A realidade era diferente no Brasil até o início dos anos 2000. Até aquela época, em decorrência do menor número de vagas, naturalmente a seleção era mais rigorosa. Por diversos fatores, atualmente a qualidade do ensino-aprendizagem pode estar prejudicada. Frequentemente, lemos notícias de erros médicos grotescos, diagnósticos errados, medicações impróprias e negligência, levando a óbitos. Nesse contexto, a motivação adequada para a escolha de um curso superior é, de fato, importante, não devendo estar limitada ao status da profissão ou ao rendimento financeiro esperado, mas sim, à real aptidão e vocação do estudante. 
Veja o que escreveu o colunista Renato Assis, no Estado de Minas, em 17/10/23: “[...] Sofremos com a baixa de qualidade de ensino que gera profissionais tecnicamente deficientes, quadro que se agravou nos últimos anos justamente pela implementação desta mesma política em governos passados. Dezenas de cursos de medicina foram criados em municípios carentes, contudo, segundo o CFM, mais de 80% desses municípios possuem déficit na estrutura mínima necessária para abrigar os cursos, comprometendo a qualidade do ensino”:  https://www.em.com.br/app/colunistas/renato-assis/2023/10/17/interna-renato-assis,1577993/a-quem-interessa-o-aumento-dos-cursos-de-medicina.shtml#google_vignette

Sobre a falta de vocação, Renata comenta: “São esses os aspectos tão importantes que mencionei acima. A escolha da profissão perpassa pela visão de si, considerando suas aptidões, características pessoais e interesses, conciliando com a área de trabalho. E para isso, é necessário tomar uma decisão consciente e segura, reconhecendo suas limitações, aprofundando o conhecimento de suas competências e habilidades relacionadas à atuação. É neste momento que percebo a importância do Orientação Profissional, sendo o processo ampliador de visão em diversos aspectos que podem ser negligenciados no primeiro momento”, conclui.
Você, leitor, que acabou de concluir o ensino médio, sente-se 100% seguro quanto à sua escolha de um curso superior? Ou considera importante buscar uma orientação e trabalhar antes, para observar o mercado profissional? Comente na postagem desta matéria. 

Produção do texto: jornalista Rita Miranda; especialista entrevistada: psicóloga Renata Daniele Pinto..