Série ex-prefeitos: asfaltamento de Arcos a BH foi um pedido de Dr. João Vaz a Magalhães Pinto

Dr. João doava os honorários de prefeito para a paróquia Nossa Senhora do Carmo

Série ex-prefeitos: asfaltamento de Arcos a BH foi um pedido de Dr. João Vaz a Magalhães Pinto

Matéria produzida e publicada pelo Jornal CCO impresso em 13/02/2021) – Esta reportagem é um resgate das memórias sobre o médico e político João Vaz Sobrinho (falecido em julho de 1979, aos 67 anos), que foi prefeito de Arcos por quatro mandados, de acordo com registros do livro "Histórias de Arcos", de Lázaro Barreto (editado em 1992). 
Ele doava seus honorários de prefeito para a paróquia Nossa Senhora do Carmo. Também foi deputado estadual de 1963 a 1967 e secretário de Estado de Saúde em 1965.

Dr João Vaz Sobrinho e e esposa, Dona Benzinha (à esquerda)

Dr. João nasceu em Formiga em 20 de janeiro de 1912, filho da dona de casa Maria Felícia Belém e do comerciante Antônio Vaz da Silva. A primeira esposa foi a professora Yolanda Jovino Vaz. Depois de viúvo, casou-se com Maria José Ribeiro Vaz (Dona Benzinha, que está com 94 anos). O casal teve sete filhos: Marcelo, Gilberto, Plácido (também ex-prefeito de Arcos, que faleceu em 2023), Lisete, Patrícia, Nelson e Thaíssa.
Em entrevista ao Jornal CCO em 18 de setembro 2019, Plácido Vaz falou da amizade de Dr. João com Magalhães Pinto, que foi governador de Minas na gestão 1961-1966. Magalhães era natural de Santo Antônio do Monte, tendo morado em Arcos, na casa que era situada onde hoje é a "Praça dos Arcos". Plácido relatou algumas das histórias que o pai dele contava: "Magalhães Pinto perguntou ao meu pai o que ele queria para Arcos. Meu pai respondeu: 'Eu quero que de Arcos a Belo Horizonte seja asfaltado'. Antes de Magalhães entregar o Governo, já estava tudo asfaltado".
Dr. João Vaz solicitou, ainda, as construções das escolas estaduais "Berenice de Magalhães Pinto" (nome da esposa de Magalhães Pinto) e "Maricota Pinto" (nome da mãe de Magalhães Pinto), assim como um Posto de Saúde que era localizado na rua 25 de Dezembro, centro de Arcos.

A Fábrica de Cimento Portland Pains também foi instalada em Arcos a pedido de Dr. João Vaz. "Papai se orgulhava demais da fábrica de cimento. Muita gente reclama que puseram ela dentro da cidade. Não era dentro da cidade naquela época. Meu pai tinha uma ligação com Juvelino Rabelo, que foi um grande empreendedor do Oeste de Minas. Na época, já tinham definido que a fábrica de cimento ia ser em Pains. Meu pai disse: 'Como é que você vai fazer uma fábrica de cimento em Pains, se lá não tem energia? Aqui nós vamos ter energia. Magalhães já falou comigo e Arcos vai ter energia elétrica'. Assim, meu pai convenceu o Juvelino e ele pôs a fábrica aqui". O nome é Portland Pains, mas a fábrica foi instalada em Arcos.
Segundo Plácido, Dr. João era amigo de Hélio Garcia (que foi deputado estadual em 1963, deputado federal em 1971, vice-governador de Minas de 1983 a 1984 e governador por dois mandatos: 14/08/1984 a 15/03/1987 e 15/03/1991 a 01/01/1995). "Na época, meu pai era secretário de Saúde [do Estado] e o Hélio Garcia era secretário de Obras Públicas, então, tinha sempre essa ligação nossa com esses políticos por causa do meu pai".

"Meu pai tinha uma capa azul com dois botões e uma corrente prateada. Ele me enrolava nesta capa e me levava pra onde ele ia fazer parto. [...] Quando era de madrugada, eu já acordava com o menino chorando e ele me chamava pra tomar café... numa casa qualquer" - Plácido Vaz.

Plácido, que foi prefeito de Arcos em três gestões, era muito ligado ao pai. Ele se lembrou que quando tinha 6 anos de idade, foi morar com a mãe e os irmãos em Belo Horizonte, para estudarem. No entanto, ele não se adaptou.
"Eu chorava todos os dias de saudade do meu pai e fui emagrecendo. Eu escutava música caipira – que gosto até hoje – e chorava de saudades dele. Eu não conseguia ficar lá, era como se tivessem me mandado para o inferno. Aí, vim embora e morava sozinho com meu pai aqui. Ele não tinha empregada e minha mãe morava com meus irmãos lá em BH, que estavam estudando. Meu pai tinha uma capa azul com dois botões e uma corrente prateada. Ele me enrolava nessa capa e me levava pra onde ele ia fazer parto. E eu dormia atrás, no ‘Fordinho’. Quando era de madrugada, eu já acordava com o menino chorando e ele me chamava pra tomar café... numa casa qualquer. Algumas eu lembro... no Santana e em Calciolândia. Hoje, essas casinhas não existem mais".
Entre as lições que aprendeu ainda jovem, Plácido destacou esta: "Meu pai dizia: 'Se você for alguém na vida, você tem que tirar um tempo para dedicar ao seu Município, porque é o Município que está te dando as coisas que você tem'.

Respeito pelas mulheres 

Dr. João Vaz Sobrinho era considerado um homem generoso, principalmente pelo trabalho que desenvolvia na medicina, porque não cobrava pelo atendimento das famílias que não tinham recursos financeiros suficientes. Ele também auxiliava as mulheres na hora do parto. “Os maridos diziam: ‘Dr. João, vai lá...minha mulher está tendo filho’. Ele ia sem saber se ia receber ou não.  A dedicação dele às mulheres era muito grande. Ele falava que homem era mole demais, bobo demais; que mulher, só de ter filho, era outra coisa. Então, ele tinha um respeito muito grande pelas mulheres”, relembra Plácido.

Dr. João lia poesias para os filhos                            

Plácido Vaz conta que o pai era um homem “sério e rígido, mas também brincalhão”.  “Meu pai era simples, rígido quando tinha que ser, brincalhão quando podia”. Também era estudioso e gostava de ler para os filhos depois do jantar”. “Ensinou muito pra gente. Às vezes, depois do jantar, ele ficava recitando poesias. Gostava de ler O Navio Negreiro, de Castro Alves; dizia que ele era o poeta dos escravos. Também recitava Os Lusíadas, de Camões”.
Não diferente de outras pessoas da mesma geração que tinham acesso ao ensino, Dr. João estudou Latim e por isso tinha grande conhecimento da Língua Portuguesa. Estudou inicialmente em Formiga. Depois foi para São João del-rei e, em seguida, para o Rio de Janeiro, onde formou-se em Medicina pela Universidade Federal. Depois de formado, voltou para Formiga. Veio morar em Arcos quando a mãe dele morreu.

“Foi um homem muito sofrido e não teve nada de ‘mãos beijadas’ ”

O jovem João Vaz dedicou-se bastante para seguir com os estudos. O pai dele era comerciante, tinha uma “venda”. A mãe era dona de casa.  “Ele trabalhou muito. Teve uma vida muito difícil. Uma parte dos estudos, ele tinha que pagar, então precisava trabalhar. Foi um homem muito sofrido e não teve nada de ‘mãos beijadas’ ”, comentou Plácido.

Eleito pelo povo

Ainda de acordo com relato publicado no livro “História de Arcos”, Dr. João Vaz Sobrinho teria sido o primeiro prefeito da cidade eleito pelo povo, sucedendo o primeiro prefeito de Arcos, Coronel José Ribeiro do Vale (1938/1939), responsável pela emancipação do município.
Dr. João Vaz foi filiado ao partido UDN (União Democrática Nacional) e seu primeiro mandato teria sido de 1939 a 1944. O segundo, de 1944 a 1945; o terceiro, de 1948 a 1951 e o quarto, de 1955 a 1959, tendo Edson Fonseca como vice-prefeito, de acordo com registros do livro já citado, que traz as seguintes descrições sobre ele: “Idealizador, articulador e realizador dos atos administrativos que socorreram Arcos no período recessivo dos primeiros anos da década de 1940 (que sofria os efeitos da 2ª guerra) e na retomada do progresso a partir de 1947, quando reassumiu a Prefeitura, sob a autorização do sufrágio eleitoral dos municípios. Com diplomacia e obstinação, conseguiu dotar a cidade dos benefícios de luz elétrica, água canalizada, ruas pavimentadas. Lutou muito para corrigir os erros de demarcação das divisas territoriais do Município, impedindo a perda de enormes áreas. Transferiu a localização do cemitério, que atravessava terrenos no centro da cidade e impedia a continuidade das artérias públicas”.
Plácido Vaz disse que tinha aproximadamente 27 anos quando o pai dele morreu e que não tem certeza se ele foi o primeiro prefeito eleito pelo povo. “Sei que a eleição que ele ganhou foi essa última e ele achava muito importante ter sido prefeito na ditadura e depois ter sido eleito pelo voto popular. Isso orgulhava ele”. Ele também acrescentou: “Quem falava que ele doava os honorários para a igreja era o cônego Geraldo Mendes de Vasconcelos”.

Páginas do passado

“[...] O Dr. João Vaz Sobrinho [...] tem agitado questões da mais alta importância no sentido do beneficiamento de Arcos, na luta insana de bem atender a ‘Romanos e Cartaginêses’, isto é, com imparcialidade e a contento de todos” - Jornal A Voz de Arcos, de 15 de novembro de 1939.
Em 15 de novembro de 1939 (Dia da Proclamação da República), a primeira edição do Jornal A Voz de Arcos, cujo diretor proprietário era José Geraldo da Silva, trazia na primeira página as fotos de Coronel José Ribeiro do Vale (primeiro prefeito de Arcos) e de Dr. João Vaz Sobrinho, que era o prefeito naquela época.
Coronel José Ribeiro do Vale é referenciado em virtude da luta pela emancipação de Arcos, além de outros elogios. Dr. João Vaz Sobrinho é descrito como um homem que, embora “muito jovem, não se isenta das características morais, peculiares aos indivíduos  experimentados na luta através de longos anos”. Leia o resto do texto: 

“O seu caráter íntegro, a sua força de vontade, a sua inteligência e capacidade de trabalho tornaram-no judiciosamente digno de estima e da confiança que lhe deposita o povo arcoense. Continuador da grandiosa obra de formação e engrandecimento desta terra nossa, o Dr. João Vaz Sobrinho, nada obstante o curto período de sua gestão, tem agitado questões da mais alta importância no sentido do beneficiamento de Arcos, na luta insana de bem atender a ‘Romanos e Cartaginêses’, isto é, com imparcialidade e a contento de todos.
Luta árdua na qual só não desfalecem os espíritos fortes, bem orientados e dotados de talento, de amor ao trabalho e ao próximo, como apraz-nos afirmar que é o nosso Atual Prefeito. Os mais completos problemas administrativos são, em razão de sua acuidade de espírito que lhe permitem clara visão no campo árido das cousas administrativas, resolvidos, como que por encanto, a aprazimento e todos quantos observaram de perto a marcha dos acontecimentos. [sic]
Eis por que não podíamos silenciar neste dia grandioso da história pátria, o nome desse não menos grande propugnador da grandeza e da felicidade de Arcos, prestando-lhe igualmente esta singela homenagem”. 

Pesquisa, entrevista e redação: Jornalista Rita Miranda.