A maior riqueza de espécies de plantas sobre calcários no Brasil

A maior riqueza de espécies de plantas sobre calcários no Brasil

No Brasil, a maior riqueza de espécies de plantas com flores (angiospermas), sobre afloramentos calcários, foi registrada na região de Arcos, Pains, Iguatama e Doresópolis.

Catalogar a composição de espécies de uma região, mediante levantamento florístico é de fundamental importância para subsidiar pesquisas em diversas outras áreas correlatas, bem como para o conhecimento dos recursos naturais de uma região, uma vez que a vegetação é parte fundamental da paisagem e da cadeia trófica. A vegetação constitui a síntese da paisagem, o elemento natural mais frágil e dependente dos demais, sendo resultado da ação de fatores ambientais sobre o conjunto interagente de espécies que coexistem em um espaço contínuo. Reflete o clima, a natureza do solo, a disponibilidade de água e nutrientes, bem como fatores antrópicos e bióticos.

Na região cárstica do Alto São Francisco, a cobertura vegetal relacionada ao relevo cárstico se distingue do Cerrado senso estrito e cerradão, que ocorrem na circunvizinhança regional, tanto pela composição de espécies, quanto pelo aspecto fisionômico. A paisagem cárstica, composta por mosaico fitofisionômico, é caracterizada pela cobertura vegetal formada por um conjunto de diferentes tipos de vegetação, apresentando formações florestais, formação aberta e vegetação aquática.

Espécies com flores de grande beleza, como a orquídea Cattleya bicolor Lindl. (Orchidaceae) e a gesneriácea Sinningia warmingii (Hiern) Chautems (Gesneriaceae), enfeitam as partes mais iluminadas do carste, se fixando em pequenas fendas da rocha, onde acumula matéria orgânica. 

Cattleya bicolor Lindl (Orchidaceae)

No outro extremo, nas partes sombreadas, crescem piperáceas, como Peperomia gardneriana Miq. (Piperaceae), que, com suas minúsculas flores, desprovidas de sépalas e pétalas, vegetam somente durante a estação chuvosa, pois na estação seca, após a floração, a folhagem morre e os tubérculos ficam entrados no solo, ou entre fendas nas rochas, para suportar o longo período de seca, para rebrotar com o retorno das chuvas, representando um típico exemplo de planta geófita que habita o carste. 

A vegetação sobre o carste traduz a intensidade e o ritmo sazonal do clima na região cárstica do Alto São Francisco. No domínio do Cerrado, a sazonalidade climática é marcada pela perda total ou parcial de folhas da vegetação na estação seca, e produção de novas folhas e aceleração dos processos metabólicos na estação chuvosa. Essa alternância é comandada pela disponibilidade hídrica.

No início deste século, estudos intensivos de levantamento florístico ocorreram na região (MELO, 2008; MELO et al., 2013). Notadamente, na porção leste da região cárstica de Pains, perfazendo áreas da nascente à foz do Rio São Miguel, foi catalogada a maior riqueza de espécies de angiospermas (plantas com flores) registrada sobre afloramentos calcários no Brasil (MELO et al., 2013). 

A flora encontrada na região cárstica do Alto São Francisco apresenta influências, em ordem de importância, dos domínios fitogeográficos da Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. Foram registradas 456 espécies de angiospermas, distribuídas em 299 gêneros e 77 famílias. Há uma expressiva contribuição de espécies herbáceas na composição florística da região, com 161 espécies, seguidas dos hábitos arbustivo e arbóreo (111 espécies cada) e trepadeiras (73 espécies). As Ervas são um vegetal pouco desenvolvido, de pequena consistência, em virtude da pouca ou nenhuma lenhificação; os arbustos (incluindo subarbustos) são vegetais de tamanho inferior a cinco metros, lenhoso inferiormente e tenro e ou suculento superiormente, sem um tronco predominante, pois se ramifica quase sempre a partir da base; as árvores são vegetais de grande porte, com altura superior a cinco metros, despido de ramos na parte inferior e cuja parte ramificada constitui a copa; trepadeiras são as plantas que escalam os corpos vizinhos, seja por meio da haste a que se enrolam (como o feijão), seja por meio de órgãos especiais de fixação (gavinhas), podendo atingir muitos metros de comprimento.

Na região cárstica do Alto São Francisco, as famílias com maior número de espécies são Fabaceae (37), Orchidaceae (28), Asteraceae (25), Poaceae e Malvaceae (24), Euphorbiaceae (23), Piperaceae (19), Apocynaceae, Bromeliaceae e Rubiaceae (14 cada), Solanaceae (13), Bignoniaceae (11) e Meliaceae (10). O levantamento florístico catalogou espécies de plantas com flores de variados hábitos, nas distintas fitofisionomias relacionadas ao relevo cárstico, bem como seus diferentes micro-hábitats, durante três anos, por meio de expedições mensais para coleta de material botânico fértil (amostras de ramas com folhas, flores e/ou frutos).

As amostras foram herborizadas, processo de desidratar e costurar os ramos em folhas de papel-cartão de tamanho padrão, e compor etiqueta com informações sobre o espécime coletado, ambiente, data, local de coleta e coletor, constituindo as exsicatas. Posteriormente, as exsicatas foram depositadas no Herbário do Departamento de Botânica do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (BHCB), onde foram identificadas com o auxílio da literatura e botânicos especialistas. 

Além da maior riqueza de espécies de plantas com flores (angiospermas) registrada sobre afloramentos calcários no Brasil, no levantamento florístico, ainda foi descoberto e descrito um novo gênero, Chautemsia, da família Gesneriaceae (a mesma das violetas) cuja primeira espécie descrita foi chamada de Chautemsia calcicola A.O.Araujo & V.C.Souza, que até o momento é conhecida apenas por algumas populações, restritas à Bacia do Rio São Miguel. A ecologia desta espécie será detalhada em um texto especial que será publicado em breve nessa coluna. 

Chautemsia calcicola A.O.Araujo & V.C.Souza

Nesse contexto, é necessário progredir com as pesquisas de levantamento florístico, com coleta de material fértil e levantamento fitossociológico em toda a região cárstica do Alto São Francisco, para coleta de dados estatísticos, especialmente de comunidades de espécies herbáceas no carste. De modo igual, é necessário selecionar espécies vegetais nativas com potencial para regeneração de áreas degradadas; determinar o período de floração e frutificação da flora para otimizar a coleta de sementes, destinadas à produção de mudas por viveiros florestais regionais para revegetação de áreas degradadas, e, idealmente, à constituição de banco de germoplasma regional, por exemplo, em cooperação com o Centro Nacional de Recurso Genético.

Pablo Hendrigo Alves de Melo - Biólogo

Coletivo Arcos Socioambiental

pablopains@yahoo.com.br