Arcos: resolução cumprida pela SEMED não garante professor de apoio para crianças com todos os transtornos 

A Secretaria Municipal de Educação segue Resolução da Secretaria Estadual de Educação, na qual não é mencionada a necessidade de professor de apoio para alunos com TDA, TDAH, TOD e dislexia; a promotora comenta sobre uma Lei Federal que, segundo ela, garante o professor de apoio ou estagiário para alunos com todos os transtornos   

Arcos: resolução cumprida pela SEMED não garante professor de apoio para crianças com todos os transtornos 

Mães de crianças que estiveram na Câmara Municipal de Arcos no dia 4 de março queixaram-se que a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) está considerando apenas o autismo para disponibilizar professor de apoio.

Naquele dia, Mariana Souza disse que é mãe de uma criança com laudo de epilepsia que estava precisando, urgentemente, de uma professora de apoio. Ela acrescentou: “Também não tem as terapias. A escola cobra laudo. A gente vai e busca apoio de quem? Precisamos das terapias, da fonoaudióloga (...). Se não tem, como a gente vai fechar um laudo? Mariana acrescentou que devido às várias crises convulsivas que a filha dela teve, sem diagnóstico, sem terapia, ela só regride.

Diante desse e de outros relatos feitos por mães de crianças com neurodiversidades, o Jornal CCO Arcos enviou perguntas à SEMED no dia 11 de março. Recebemos a respostas no dia 1º de abril.

A SEMED argumentou que “deve, por questões legais previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96), cumprir o que está previsto na Resolução da Secretaria Estadual de Educação nº 4.246/2020, a qual institui as diretrizes para normatização e organização da Educação Especial".

A SEMED citou o capítulo V, Seção II, Artigo 27: “O Professor de Apoio à Comunicação, Linguagem e Tecnologias Assistivas (ACLTA) tem a função de apoiar o processo pedagógico de escolarização do estudante com disfunção neuromotora grave, deficiência múltipla ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculado na escola comum, sendo autorizado um professor para até três estudantes matriculados no mesmo ano de escolaridade e frequentes na mesma turma”.

A Secretaria também informa: “Não é somente o aluno com TEA que possui direito ao Professor de Apoio, inclusive há outras crianças na rede municipal de ensino que recebem esse acompanhamento por possuírem um diagnóstico que se enquadra nessa legislação”.

A SEMED salienta que “não é permitido, pela legislação, contratar professor de apoio para turmas que não possuem aluno com esse tipo de laudo, isto é, o que justifica a contratação é o laudo do aluno”.

Portanto, o leitor deve ter observado que nessa legislação seguida pela SEMED não está mencionado apenas o TEA, mas também disfunção neuromotora grave e deficiência múltipla. Contudo, não estão mencionados o TDA (Transtorno de Déficit de Atenção), TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade), dislexia e TOD (Transtorno Opositivo-Desafiador). A garantia de professor de apoio para crianças com esses transtornos tem sido reivindicada publicamente pelas mães.

Mas a discussão não se esgota por aqui. Há uma Lei de 2021, Federal, que trata do tema: Lei 14.254/21, assinada em 30/11/21 pelo então presidente Jair Messias Bolsonaro. Link da Lei: https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1329448287/lei-14254-21

Leia na sequência:


Veja o que diz a promotora sobre a Lei Federal de 2021

A Lei Federal 14.254/21 dispõe sobre “o acompanhamento integral para educandos com dislexia ou TDAH ou outro transtorno de aprendizagem”.  Parágrafo Único: “O acompanhamento integral previsto no caput deste artigo compreende a identificação precoce do transtorno, o encaminhamento do educando para diagnóstico, o apoio educacional na rede de ensino, bem como o apoio terapêutico especializado na rede de saúde”. Artigo 4º: “Necessidades específicas no desenvolvimento do educando serão atendidas pelos profissionais da rede de ensino em parceria com profissionais da rede de saúde”.

O Jornal CCO Arcos perguntou à promotora Juliana Vieira, que atua no Ministério Público em Arcos, se essa Lei garante professor de apoio para crianças com todas as neurodiversidades – a exemplo de TDA, TDAH, dislexia, TOD, TEA – ou se seria apenas para crianças com TEA (referindo-se aos transtornos mais comuns). Ela respondeu: “Entendo que a Lei garante ou professor de apoio ou monitor para vários tipos de transtornos, não é só para TEA não”.

Drª Juliana Vieira entende que a Lei cita especificamente alguns transtornos e também traz uma colocação genérica. “Uma colocação genérica que é ampla pra mim. Sinceramente, o que vou batalhar sempre é para que naqueles casos em que há necessidade, a criança faz o acompanhamento, verifica que tem necessidade de um professor ou de um monitor, dependendo do grau que ela tem de transtorno, vou sempre defender que essa Lei não é somente para o TEA, é para outros transtornos também. A Lei é clara. Ela exemplifica alguns transtornos e deixa uma norma aberta, mais ampla. Quando a Lei cita “outros transtornos de aprendizagem, acho que ela amplia, ela não restringe”.

A promotora também diz que é preciso analisar essa Lei de acordo com a Constituição e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, “considerando o princípio da proteção integral e prioridade absoluta”. “Existem outros transtornos que dificultam o aprendizado sim! Trabalho muito assim: cada caso e com laudo médico com diagnóstico da criança com acompanhamento e laudo médico sugerindo ou professor ou monitor”.

Ainda segundo a promotora, as Secretarias de Educação (Estadual ou Municipal) vão analisar essa Lei de uma maneira mais restrita. Mesmo assim, ela conta que já atuou em vários casos, mais da rede estadual, em que a Secretaria Regional de Ensino alegava que a Lei não estava incluindo, mas no final, com os relatórios médicos, garantiu-se professor de apoio ou monitor.

Drª Juliana enfatizou o fato de que a Lei 14254-21 é Federal. “Entendo que uma Resolução, que é Estadual, não pode ir contra uma Lei Federal, não pode restringir um serviço que está disposto numa Lei Federal. [...] Mas de acordo com cada caso, [a SEMED em Arcos] tem atendido sim, de acordo com a gravidade da situação, laudo bem feito e acompanhamento, eles têm disponibilizado, de uma forma mais ampla do que eles realmente falam”. Em matéria produzida pelo CCO e postada em 2 de abril, Drª Juliana comenta sobre o trabalho realizado pela SEMED. Leia os detalhes em: https://www.jornalcco.com.br/neurodiversidadesarcos-maes-aguardam-providencias-para-obtencao-de-laudos 

Interpretação da Secretaria Municipal de Educação 

Angélica Pires disse, na Tribuna da Câmara no dia 4 de março, que as famílias se sentem abandonadas com relação ao apoio a crianças com TOD, TDAH e epilepsia. Ela citou a Lei 14.254/21 (a mesma comentada acima pela promotora).

Sobre essa questão, a SEMED argumentou que “a lei que fala sobre o direito a professor de apoio é a Resolução da Secretaria Estadual de Educação Nº 4.246/2020, com critérios bem definidos para que a contratação seja feita”.  Continuando, escreve: “É importante ler, compreender e reconhecer o que está na lei citada pela Sra. Angélica, Lei Nº 14.254/2021, em seu artigo 3º, o qual dispõe: “Educandos com dislexia, TDAH ou outro transtorno de aprendizagem que apresentam alterações no desenvolvimento da leitura e da escrita, ou instabilidade na atenção, que repercutam na aprendizagem devem ter assegurado o acompanhamento específico direcionado à sua dificuldade, da forma mais precoce possível, pelos seus educadores no âmbito da escola na qual estão matriculados e podem contar com apoio e orientação da área de saúde, de assistência social e de outras políticas públicas existentes no território.” “Conforme pode ser conferido, não há menção a professor de apoio, nem mesmo assistente, auxiliar ou estagiário. A expressão ‘pelos seus educadores’ deixa claro que cabe ao professor regente oferecer os subsídios necessários para o sucesso escolar desse educando, assim como aos demais”, relata a SEMED.

Aulas para alunos diversos e Atendimento Educacional Especializado 

A SEMED também argumenta que os professores planejam aulas para alunos diversos, buscando formas de envolver todos os educandos. Afirma que os professores da rede municipal possuem formação ampla, com cursos de graduação, especialização, mestrado e até doutorado; e que a SEMED oferta a formação continuada.

Para atender às necessidades específicas de alunos com transtorno ou outras comorbidades, “há o acompanhamento com orientações e formações oferecidas pela equipe do Atendimento Educacional Especializado, composta por Psicólogas Escolares e Professoras da Sala de Recurso, profissionais com vasta formação, experiência e comprometimento com a educação especial e inclusiva”. A equipe também faz atendimentos individualizados de alunos na SEMED e realiza capacitações com os professores da rede municipal ao longo de todo o ano letivo. 
A SEMED descreve que, semanalmente, são realizados mais de 150 atendimentos na sala de recurso, com professoras especializadas que auxiliam a criança não só pedagogicamente, como também em seu desenvolvimento comportamental, social, entre outros aspectos. Também informa que todos os professores da rede municipal realizam ao menos duas horas semanais de estudo dirigido, orientado por supervisores ou outros profissionais convidados de acordo com a realidade da instituição. “Essas próprias mães são a comprovação de que o município de Arcos, em relação à educação, tem oferecido além do que está na Legislação, respeitando as necessidades de cada criança, pois suas filhas estão inseridas nos atendimentos especializados, ainda que não façam parte da educação especial. Diariamente há o esforço contínuo da Secretaria Municipal de Educação, do Atendimento Educacional Especializado, gestores, supervisores, professores regentes e de apoio para acolher os alunos, atender suas necessidades de acordo com suas especificidades e garantir seu desenvolvimento tanto educacional quanto humano”. 
A SEMED ressalta que nos últimos três anos, Arcos melhorou significativamente seus resultados nas avaliações externas, como PROEB e PROALFA, afirmando que todos os alunos são inseridos na realização dessas provas.

Número de alunos da rede municipal que são assistidos por professores de apoio

No dia 8 de abril, o CCO enviou e-mail à SEMED perguntando quantos alunos da rede municipal são assistidos por professores de apoio atualmente e quais são os nomes dos transtornos, das síndromes, deficiências ou outras condições desses alunos assistidos. Gostaríamos de saber se todos os alunos da rede municipal diagnosticados com TDA, TDAH, dislexia, TOD, TEA estão assistidos por professores de apoio ou estagiário. Quando recebermos as informações, iremos atualizar aqui neste texto ou produzir outra matéria.

A informação que a SEMED já havia nos enviado (em 1º de abril) é que dos 3.503 alunos da rede municipal de ensino em Arcos, 6,5% (228) são da Educação Especial e Inclusiva. Considerando os transtornos abordados nesta matéria, são 67 alunos com TDAH; nove alunos com TDAH associado à Dislexia ou TOD; cinco alunos com TOD.

O que ainda não sabemos é quantos, dos 228 alunos, são atendidos por professores de apoio ou estagiário.