Arcos/Lagoa da Prata: erros cometidos no deslocamento de pessoas em situação de rua

Arcos/Lagoa da Prata: erros cometidos no deslocamento de pessoas em situação de rua
Reunião do Conselho realizada ontem, dia 18

O CCO esteve presente na reunião do Conselho Municipal de Assistência Social realizada ontem à tarde, dia 18 de março. Na ocasião, foi lida a Ata da reunião extraordinária ocorrida dia 4 de março, quando foram abordados os fatos envolvendo remoção supostamente involuntária de pessoas em situação de rua. Esse deslocamento aconteceu no Município de Arcos, com destino a Lagoa da Prata, no dia 1º de março, uma sexta-feira.
O fato chegou ao conhecimento da população de Arcos por meio de redes sociais, nas quais foram veiculados vídeos onde homens que estariam em situação de rua dizem, em síntese, que foram levados de Arcos para Lagoa da Prata em um veículo da Prefeitura de Arcos.  Um deles chora enquanto faz o relato, o que leva a crer que ele está insatisfeito. Posteriormente, o prefeito de Arcos, Claudenir Melo, foi até Lagoa Prata, onde gravou um vídeo com esse mesmo homem. Os dois aparecem assentados em uma mesa de bar fazendo uma refeição. Nessa gravação, o homem não está mais chorando e parece satisfeito em Lagoa da Prata.
As informações a seguir foram transcritas pelo CCO, resumidamente, da Ata lida durante a reunião do Conselho realizada ontem.  
Em vídeos postados em redes sociais naquele fim de semana, 2 e 3 de março, foi citado o nome do prefeito de Arcos e da unidade local do CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). 
Maria Élida, técnica de referência do CREAS em Arcos, relatou que, em programa de rádio de Lagoa da Prata, o prefeito Di Gianne Nunes citou que a ação partiu do CREAS Arcos, tendo mencionado que tal informação foi citada pelo prefeito Claudenir Melo.
No entanto, segundo as técnicas do CREAS, elas tomaram conhecimento dos fatos devido aos vídeos que foram encaminhados a elas posteriormente.  Afirmaram que não tiveram nenhuma participação e ficaram indignadas com a falsa divulgação. 
Foi dito que, por se tratar de pessoas em situação de rua, cuja responsabilidade pela abordagem é do CREAS, o prefeito de Arcos teria entendido e divulgado que a atuação foi feita pela equipe de referência do CREAS de Arcos. Porém, “de forma inverídica e injusta com as servidoras”, conforme consta em Ata.
Maria Élida explicou que o CREAS se limita a ofertar o que está descrito em legislação. Ela disse que faz parte do serviço de abordagem e que o mesmo só pode ser feito por equipe técnica de referência, juntamente ao orientador social. “Vão até o indivíduo em qualquer área da cidade, buscam conhecer a realidade do mesmo para que sejam ofertados os serviços, podendo a pessoa se dirigir até o CREAS ou até as técnicas de referência. É ofertado café da manhã, marmitex para almoço, café da tarde, kit de higiene, possibilidade de tomar banho, passagens para os municípios vizinhos (havendo interesse da pessoa em seguir viagem, no caso de migrantes em passagem pela cidade). 
Quanto às pessoas em situação de rua que desejam permanecer na cidade, são oferecidos serviços de acordo com o atendimento da equipe técnica de referência do CREAS. “Três técnicas prestam esses serviços, dentro da realidade desses indivíduos, trabalhando de maneira a amenizar a situação em que cada um se encontra. Só por estar em situação de rua, a pessoa já está com os direitos violados, não tendo condições dignas de sobrevivência”. 
Por meio do CREAS também é ofertada 2ª via de documentos e encaminhamento para Cadastro Único, a fim de que os interessados possam receber os benefícios (transferências de renda do Governo Federal).

“Assumo a responsabilidade da ação”

O secretário municipal de Desenvolvimento e Integração Social, Sérgio Veloso, pediu a palavra e assumiu a responsabilidade pelo deslocamento dessas pessoas até Lagoa da Prata. 
“Assumo a responsabilidade da ação, que foi feita de forma inadequada. [...] Quando nós os levamos, eles não estavam embriagados”. Sérgio disse que quando chegou à praça [Floriano Peixoto], havia dois hippies e mais três pessoas em situação de rua. “Conversei com eles normalmente. Em momento algum quis suprimir direitos deles. Perguntei de onde eram. Dois disseram ser de Lagoa da Prata. Perguntei o que eles estavam fazendo em Arcos e se tinham vontade de voltar para Lagoa. Foi uma conversa amistosa. Em momento algum houve coação ou intenção de ferir algum direito. Quem conhece meu trabalho, sabe que primo pela proteção de direitos individuais [...]. Disseram que estavam com fome. Pedi para buscar marmitas para eles, o que é uma ação praticada pelo CREAS. Se a ação aconteceu fora da técnica, eu assumo a culpa, a responsabilidade. Eu deveria realmente ter ligado para Tarcila [Tarcila Matins, coordenadora do CREAS/Arcos] ou para as técnicas de referência, só que em conversa tão amistosa, os imigrantes disseram: ‘Nós queremos ir para nossa cidade’. E foi de livre e espontânea vontade que eles foram. [...] O cidadão que soltou na mídia como se os migrantes tivessem sido expulsos da cidade, pelo contrário, não foram”. 
O secretário municipal disse que fez questão de dizer que eles “são livres e que poderiam ficar em Arcos”, porém, segundo ele, “todos os cinco cidadãos manifestaram interesse em ir para Lagoa da Prata”.
Também comentou que um policial “fez a gravação dizendo que o prefeito de Arcos reuniu os migrantes, trouxe para a Prefeitura, os colocou em uma vã e os levou para a prainha de Lagoa da Prata”. Segundo Sérgio, isso não procede.  Ele afirmou que o prefeito Claudenir Melo não sabia do ocorrido até assistir aos vídeos.
Sérgio relatou que foi ele quem acompanhou as pessoas. “Fiz questão de ir junto, para garantir que os direitos dessas pessoas não fossem violados. Humildemente peço desculpas ao Conselho, aos vereadores presentes. A abordagem é de responsabilidade do CREAS e não a fiz de forma correta”. 
Ao CCO, na manhã de hoje, 19 de março, Sérgio Veloso acrescentou que tem autonomia para atuar junto às técnicas durante abordagens, mas que no dia do fato elas estavam em reunião no Conselho Municipal de Assistência Social. “É de praxe eu participar em abordagens. Eu, como secretário da Pasta, tenho o dever de agir. Se eu não agisse, eu estaria sendo omisso. Convidei para irem ao CREAS, para tomarem banho e café, mas eles negaram. Também falei do kit higiene”.

“ ‘Higienização social’ é esconder as mazelas da sociedade”

Há quem se sente incomodado com as presenças de pessoas em situação de rua na cidade, referindo-se a elas como “vagabundas”; é o que se escuta no dia a dia. Mas também há quem se preocupa com elas, cobrando ações do poder público que possam ajudá-las, como encaminhamentos para serviços de saúde em geral, inclusive tratamentos em casos de alcoólatras e usuários de drogas ilícitas, assim como, posteriormente, encaminhamento para o mercado de trabalho.
Foi dito, durante a reunião de 4 de março, que “o serviço do CREAS é limitado” e que o mesmo poderia ser ampliado. O horário de funcionamento é de 8 às 17 horas, de segunda a sexta-feira, não havendo plantão social de atendimento.   
Maria Élida disse que “ ‘higienização social’ é esconder as mazelas da sociedade”, que há usuários de drogas e pessoas com adoecimentos mentais e que para retirar tais pessoas do convívio social seria necessário haver políticas públicas para acolhê-las em casas adequadas à situação, tendo elas o direito de decisão se querem ou não permanecer no ambiente proposto. 
Explicou que todo trabalho é feito para entender o que levou a tal situação, pontuando que a retirada de pessoas em situação vulnerável das vistas da sociedade não é trabalho do CREAS. Se cometerem alguma contravenção ou crime, cabe à Polícia Militar fazer as abordagens. “[...] Em condições de atritos, a PM deve ser acionada. O CREAS trabalha com oferta de garantias de direitos”, explicou.

Técnica do CREAS afirma: “[...] A gente só apaga fogo. Não tem como fazer acompanhamento aos casos. Não damos conta [...]”.

Ainda durante a reunião do dia 4 de março, o prefeito Claudenir Melo perguntou se o trabalho realizado no CREAS em Arcos é um trabalho de excelência. 
Maria Élida respondeu: “Poderia ser melhor! Nós estamos com equipe reduzida, há pouco chegou advogada para acompanhar os trabalhos, temos uma demanda de trabalho muito grande, crescente a cada dia, pastas referentes a violência doméstica”. 
A psicóloga Cláudia Milene relatou que atende à demanda da infância e da adolescência e que são 230 famílias em acompanhamento há três anos, sozinha. “Então, não é de excelência! Não tem como ser de excelência! A gente só apaga fogo. Não tem como fazer acompanhamento aos casos. Não damos conta”.
Quanto ao atendimento às pessoas em situação de rua, foi respondido pelas técnicas que dentro do possível são ofertados os recursos que o equipamento disponibiliza.

Exposição da imagem das pessoas em situação de rua

Ainda durante a reunião do Conselho do dia 4 de março, o prefeito Claudenir Melo disse que a Prefeitura de Arcos pedirá instauração de processo administrativo contra o policial que gravou e divulgou os vídeos nas redes sociais sem autorização formal. O prefeito argumentou que a causa dessa discussão foi a disseminação dos vídeos. 
A presidente do Conselho Municipal de Assistência Social, Soraia Caetano de Oliveira, ressaltou que a legislação existe para proteger setores e funcionários públicos e evitar que ocorram situações constrangedoras; e que, no mínimo, foi quebrado o vínculo com a Prefeitura de Lagoa da Prata. 
Soraia comentou que falta aplicação de políticas públicas para evitar tais esses acontecimentos. Pontuou que a ação partiu de pessoas da administração de Arcos e que, independentemente da ação do policial de Lagoa da Prata, se não tivesse ocorrido a abordagem em Arcos e o deslocamento usando profissionais da Prefeitura e veículos para levá-los para outra cidade, não teriam ocorrido tais situações.

Necessidade de retratação 

O vereador Ronaldo Ribeiro disse que a Prefeitura de Arcos deveria fazer retratação publicamente. 
A psicóloga Claudia Milene afirmou que caso não haja retratação por parte da Prefeitura, as profissionais de referência técnica do CREAS farão. Explicou que, “enquanto profissionais, respondem aos conselhos de classe do Serviço Social e da Psicologia, tendo em vista que os conselhos podem abrir processo administrativo e solicitar a cassação dos seus diplomas, levando-as a serem banidas de suas funções”.

Sem notícias das pessoas levadas para Lagoa da Prata 

O vereador João Paulo Ferreira disse, também durante a reunião do dia 4 de março, que entre as pessoas em situação de rua levadas para Lagoa da Prata havia um de Arcos. Hoje, dia 19, o secretário municipal Sérgio Veloso disse ao CCO que desconhece essa informação. 
O CCO perguntou à Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Lagoa da Prata quais são as cidades de origem das cinco pessoas que foram levadas de Arcos e se elas continuam em Lagoa da Prata. O assessor respondeu que iria levantar a informação. Ainda não tivemos retorno.
Também hoje, o CCO enviou perguntas à coordenadora do CREAS, com a finalidade de obter essa informação e também outras, como, por exemplo, se as técnicas têm notícias dessas cinco pessoas, se continuam em Lagoa e se estão bem. O CCO esteve na sede do CREAS, mas as servidoras estavam em reunião. Tentamos novo contato e fomos informados que elas saíram para atendimentos externos. 
Caso as perguntas sejam respondidas, iremos atualizar esta postagem. 

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