Crianças com transtornos: mães dizem que estão desamparadas pelo poder público em Arcos
Segundo Angélica Pires, muitas crianças ficam sem o atendimento de apoio nas escolas porque os pais não têm condições para pagar pelas consultas
Mães de crianças com transtornos neurológicos estiveram na Câmara Municipal de Arcos na noite de segunda-feira, dia 4 de março, quando falaram que não estão recebendo o devido atendimento nos setores de Saúde e Educação do Município de Arcos.
Falaram em nome das mães de crianças com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD), Transtorno do Espectro Autista (TEA), dislexia e outras neurodiversidades.
Angélica Estrela Pires relatou as dificuldades enfrentadas até a obtenção de um diagnóstico concluído, uma vez que, segundo ela, na rede pública em Arcos não há atendimentos suficientes e com todos os profissionais necessários – a exemplo de fonoaudiólogos especializados, neuropediatras e neuropsicólogos. “A gente não tem esse apoio da Saúde. Hoje estou aqui para pedir pra vocês [vereadores], que se sensibilizem com essa causa; ajudem a gente a facilitar o diagnóstico das crianças neurodiversas, com excelentes profissionais”.
Em seguida, ela disse que, no setor de Educação, nem todos os profissionais estão preparados para atendimento a todas as demandas. “Não estou falando somente de autismo. Estou falando de forma geral. Nós nos sentimos abandonadas em outras diversidades como TOD, TDAH, epilepsia”.
Segundo Angélica, a legislação está sendo desrespeitada. “Hoje existe Lei pra isso e não está sendo respeitada nas escolas e nem em lugar nenhum. Eu vejo um despreparo enorme. [...] O Município tem muita verba pra isso e falta interesse, faltam profissionais preparados para cuidar dessas crianças [...]”.
Segundo Angélica, uma Lei de 2021 garante, no mínimo, um estagiário para atendimento às crianças. Ela acrescentou que, no caso de alunos com TDAH e dislexia, é preciso haver adaptações quando necessárias. “As escolas não estão cientes disso. [...] O que acho que está acontecendo, talvez, seja uma falta de comunicação, falta de entendimento ou falta de interesse. Peço que vocês mandem a Lei para as escolas, porque na Lei também fala que o Município tem que preparar os seus profissionais; e os profissionais não estão preparados, nem nas escolas e nem na Saúde”. Ela pediu que os vereadores fiscalizem.
Angélica citou a Lei 14.254/21. “Eles falam que não existe Lei que dê direito a professora de apoio para a criança na questão do TDAH. Está no terceiro parágrafo da Lei 14.254/21. Lá fala que criança com TDAH tem direito a professora de apoio”, afirmou Angélica, referindo-se à Lei assinada em 30 de novembro de 2021 pelo então presidente Jair Messias Bolsonaro. Link da Lei: https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1329448287/lei-14254-21.
Mariana Coutinho Souza disse que é mãe de uma criança com laudo de epilepsia que precisa, urgentemente, de uma professora de apoio, mas não consegue. “Também não tem as terapias. A escola cobra laudo. A gente vai e busca apoio de quem? Precisamos das terapias, da fonoaudióloga (...). Se não tem, como a gente vai fechar um laudo? A escola ‘nos obriga’ a ter laudo de autismo, mas não é só o autismo que dá o direito”. Mariana disse que tem pressa, porque devido às várias crises convulsivas que a filha dele teve, sem diagnóstico, sem terapia, ela só regride. “É uma criança de 4 anos com mentalidade de 1 ano”.
Segundo Angélica, muitas crianças ficam sem o atendimento de apoio nas escolas porque os pais não têm condições financeiras para pagar pelas consultas com todos os especialistas. Nesse caso, ela sugere que o Governo Municipal providencie a contratação desses profissionais ou realize convênios com especialistas, para que os pais tenham descontos.
Outra possibilidade, comentou a mãe, seria o investimento em um Centro de Atendimento com todos os especialistas necessários para concluir o laudo e garantir os atendimentos de saúde e educação.
A questão do neuropediatra
Angélica comentou que o secretário municipal de Saúde, Tiago Carvalho, ainda não esclareceu as dúvidas das mães sobre o registro – como neuropediatra ou não – do médico contratado pelo Município e anunciado, pelo Governo Municipal, como neuropediatra. “Não foi esclarecido. [...] Isso é falta de respeito, é falta de humanidade. Nós que pagamos os salários de todo mundo aqui... da Prefeitura, do secretário de Saúde, dos médicos que estão sendo contratados. Se não tem especialidade [de neuropediatra], nós queremos um que tenha! Nós também queremos fonoaudiólogos especializados. [...]”.
A vereadora Kátia Mateus disse que já conversou com o secretário de Saúde sobre a necessidade de uma explicação para a população, uma vez que foi divulgado um vídeo pelo Governo Municipal noticiando a contratação de um neuropediatra. “Pedi que o prefeito explicasse, porque, embora a Lei permita ele atender, não permite ele assinar, mas ele se calou no vídeo [...]. Na hora, ele tinha que ter dito que tem condições de atender e está preparado, mas que não é neuropediatra. Ele não foi claro, no vídeo ele se calou e o prefeito disse que ele era neuropediatra”.
Médico se manifesta
O CCO garantiu, ao médico, a oportunidade de manifestação. Por áudio de WhatsApp, ele disse:
“Sou médico, fiz pós-graduação em Neuropediatria (não-especialista), 100% presencial, porém, por Lei, não posso divulgar a minha pós-graduação, nem no carimbo e nem nas redes sociais, porque o Conselho de Neuropediatria proíbe que pessoas que fizeram pós-graduação divulguem desta forma. Só vou poder me titular quando eu prestar a prova de título, que acontecerá no momento oportuno que vou prestar a prova de neuropediatria. Porém, eu estou apto a realizar os atendimentos neuropediátricos; e nunca tive nenhum problema nos atendimentos. Pelo contrário, estou trazendo inúmeros benefícios e retornos para várias mães que já atendi” – mensagem enviada ontem, dia 5 de março.
Nesta ocasião e circunstância, o médico está informando sobre a pós-graduação simplesmente com a finalidade de esclarecimento.
Governo Municipal não se manifesta
O CCO também garantiu oportunidade de manifestação ao secretário municipal de Saúde, Tiago Carvalho de Oliveira; à secretária municipal de Educação, Sônia Zuquim; à Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Arcos. As mensagens foram enviadas ontem (5/3), por WhatsApp. Também tentamos contato por telefone. As ligações não foram atendidas e não houve nem mesmo confirmação de recebimento das mensagens. O espaço continua aberto. Caso se manifestem, iremos publicar. A população carece de esclarecimentos.
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