Fauna brasileira: a importância do Alto São Francisco para a conservação de espécies de todo o país

Fauna brasileira: a importância do Alto São Francisco para a conservação de espécies de todo o país

A dinâmica da fauna em uma região é complexa, uma vez que cada animal possui diferentes necessidades: o tamanho da área de vida, disponibilidade de alimentos e tolerância a perturbações no ambiente (desmatamento, urbanização). A fauna também pode ser analisada através de relatos e registros históricos ou por levantamentos atuais, feitos por empresas de consultoria e instituições de ensino/ pesquisa.

Outro fator determinante na ocorrência de uma espécie é o tipo de habitat: algumas preferem florestas, outras preferem áreas abertas, existem aquelas que transitam entre um e outro... mas o que determina estes ambientes? Diferenças de altitude, umidade e solo são alguns dos fatores que influenciam na ocorrência de florestas, savanas, várzeas e outras paisagens.

Em Arcos e região, temos a sorte de contar com registros históricos feitos a mais de 200 anos, por grandes naturalistas que desbravaram o interior do Brasil, como Auguste de Saint-Hilaire e Spix, ambos atravessando o Alto São Francisco no início de 1800. Naquele contexto, a população brasileira, principalmente no interior, era minúscula e a maior parte do país era composta por extensas paisagens naturais e comunidades indígenas.

Na época, já existiam registros milenares feitos pelos povos nativos, como pinturas e inscrições rupestres, que registravam não só o modo de vida das pessoas, mas também a natureza que os cercava. O painel de pinturas mais relevante da região, conhecido como Posse Grande, está localizado na divisa de Arcos-Pains e possui dezenas de representações de humanos e animais. Embora não exista um estudo detalhado de cada pintura, é possível reconhecer vários animais simbólicos, como peixe, tatu e até mesmo espécies que já desapareceram, como ursos. Várias pinturas de cervos também são encontradas, destacando-se um indivíduo maior com grandes chifres. Em consulta informal a professores e naturalistas, foi levantada a possibilidade desta figura representar um cervo-do-pantanal, que embora seja raríssimo em nosso estado atualmente, possui uma única população no norte de MG, em ambientes semelhantes aos encontrados aqui.

Legenda: painel de pinturas rupestres da Posse Grande, em Pains. No canto superior esquerdo, representação de cervo destacada.

Voltando a atualidade, a cidade de Arcos está situada em uma zona de transição dos biomas Cerrado e Mata Atlântica. Isso significa que ambientes de ambos os biomas ocorrem por este território, embora extensamente alterados pela urbanização e agropecuária. Adicionalmente, uma extensa unidade de calcário entre as cidades de Arcos-Pains-Doresópolis permite a ocorrência das famosas 'matas secas', que ocorrem em maior escala pela Caatinga e Norte de MG. Por fim, existe uma região de baixadas no Rio São Francisco e seus afluentes, rica em brejos e várzeas.

Legenda: principais ambientes encontrados em Arcos. De cima para baixo: matas secas; savanas do Cerrado; e várzeas do São Francisco.

Logo, essa grande variedade de ambientes proporciona uma alta e variada riqueza de espécies. Partindo da cidade de Arcos em direção a S.A. do Monte e Formiga, as savanas do Cerrado ocorrem em pequenos remanescentes entre 900 e 1000m de altitude, em sua maioria substituídos por plantações de eucaliptos. Por lá, animais símbolo do Cerrado são os mais comuns, em que se destacam o lobo-guará e grande abundância de tamanduás-bandeira.

Legenda: tamanduá-bandeira com filhote, na comunidade Santana, em Arcos.

O segundo principal ambiente está localizado a oeste, partindo da cidade em direção a Pains e Iguatama. Entre 700 e 800m de altitude, a região cárstica abriga uma fauna única na região; as grandes florestas servem de abrigo para predadores como onças-pardas e aves de rapina, tendo como exemplo os ameaçados Gavião-de-penacho, a coruja Murucututu e outros rapinantes raros, como Falcão-caburé e Gavião-bombachinha.

Legenda: filhote de Murucututu, coruja rara no sudeste brasileiro. Em destaque no canto superior esquerdo, indivíduo adulto. Ambos observados na comunidade Boca da Mata.

Por fim, nas menores altitudes do município (600m), partindo de Arcos em direção à Lagoa da Prata e o Rio São Francisco, encontramos extensas baixadas que passam o ano todo, ou parte dele, alagadas. Por lá, espécies características do Pantanal e Pampas não são incomuns. Temos populações de Tuiuiús residentes, espécie ameaçada e atualmente rara fora do Pantanal, assim como o Maguari, cegonha comum no Sul do Brasil. A sucuri-amarela também é um avistamento comum entre os pescadores e fazendas. Se nossos antepassados um dia avistaram cervos-do-pantanal por aqui, com certeza foram vistos por essa região de várzeas. 

Legenda: tuiuiú, ave símbolo do Pantanal. Registro próximo ao Rio São Francisco

Muitas aves passam por essa região de várzeas, chamadas de migratórias. Vindas do Pantanal, Pampas ou até mesmo do Norte do planeta. Podemos citar aqui os maçaricos,  que durante o verão, saem da América do Norte em direção aos alagados do país.

Legenda: viuvinha-de-óculos, espécie típica do Sul, migra para o sudeste no inverno. Registro no Rio Preto.

A fauna local é um dos maiores bens de Arcos e, ainda, pouco valorizada. O Coletivo Arcos Socioambiental, dentre suas iniciativas, busca promover a educação ambiental e valorização da nossa biodiversidade. Através da pesquisa científica e divulgação, esperamos contribuir para o conhecimento desse importante patrimônio natural arcoense.

Pedro Augusto da Rocha Silva

Biólogo e fotógrafo de natureza

pedroaugusto159@hotmail.com