Investigação de abuso de poder na Prefeitura de Arcos

Em setembro, MP pediu a cassação dos registros das candidaturas do prefeito e vice

Investigação de abuso de poder  na Prefeitura de Arcos

O promotor eleitoral Rafael Parisotto propôs ao juiz eleitoral, no dia 23 de setembro, uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral contra o atual prefeito de Arcos, Claudenir José de Melo e o atual vice-prefeito, Sérgio Vilela, referente à reinauguração do Lactário Municipal e distribuição de informativo do Município com autopromoção do atual governo.

O Portal CCO Arcos teve conhecimento desta Ação apenas nesta semana. É importante salientar que se trata de uma investigação em curso, portanto, ainda não há uma decisão judicial. 

Reinauguração do Lactário  

Na Ação, Dr. Rafael descreve, em referência à reinauguração do Lactário, que houve “abuso de poder político e dos meios de comunicação social”, considerando a reinauguração às vésperas do pleito eleitoral [30 de abril] “sem motivo, pois já estava em funcionamento há anos”. Segundo o relato, nesse evento houve distribuição gratuita de bens, discursos político-eleitorais, propagação de informações falsas contra adversários e publicação na rede social do Município.

Informativo do Município

Quanto à distribuição de informativo do Município, o promotor menciona “autopromoção do atual governo: abuso de poder político e dos meios de comunicação, com a distribuição gratuita de 15 mil exemplares de um informativo municipal, às vésperas do pleito eleitoral, com verdadeira autopropaganda do atual governo, sem qualquer interesse público efetivo”.

A propaganda eleitoral é permitida somente após as convenções partidárias e deferimento dos registros de candidaturas. Neste ano, seria dia 16 de agosto. Mas, como escreve o promotor, o prefeito “literalmente ‘queimou a largada’ ”.  “Durante o corrente ano, antes das convenções e do registro de candidatura, o investigado aproveitou que está à frente da Administração da ‘máquina pública’ e ‘meteu o pé no acelerador’, praticando uma série de condutas abusivas que desequilibraram a disputa”. Ele cita que o atual prefeito e então candidato à reeleição, “por diversas vezes, fez uso da estrutura do Município em proveito próprio e da sua candidatura, a exemplo das ações nomeadas ‘Sextou Inaugurou’, realizando incontáveis inaugurações de obras que sequer estavam prontas, com o claro intuito de adiantar sua campanha, já que, como se sabe, três meses antes das eleições tal conduta é vedada”.

“Pão e Circo”

Embora o ‘Lactário’ seja um programa social de execução continuada em Arcos, com distribuição de pão e leite de soja para “centenas ou milhares pessoas”, no dia 30 de abril foi realizada uma festa de comemoração (reinauguração) do “terceiro ano de (re)abertura do lactário e da padaria municipal”. Na ocasião, também foi feita a entrega dos cordões de identificação para pessoas com deficiências não facilmente identificadas, às ONGs locais (“Cordão Girassol”). O convite foi direcionado a toda população arcoense por meio das redes sociais oficiais do município.

Segundo o promotor, “o evento se transformou em um verdadeiro ‘comício’ eleitoral (antecipado), com a distribuição gratuita de bens e serviços alheios ao programa social, com a montagem de uma estrutura de lazer para crianças e distribuição de comes e bebes contratados, nada produzido ou relacionado com o programa”.

Uma “tenda” e um microfone foram instalados no local, “para que os agentes políticos que estão à frente da Administração Municipal (Prefeito, Secretários, Vereadores e outros apoiadores) pudessem se gabar e atacar os opositores políticos, inclusive com a propagação de informações falsas, conforme se vê nas imagens e vídeos acostados aos autos”.

O promotor também destaca que, “ao contrário do que foi dito”, o Lactário nunca foi oficialmente fechado, não tendo nenhum ato administrativo neste sentido”. Informa que o que houve foi uma tentativa de extinção do cargo de padeiro, rejeitada pela Câmara de Vereadores; e que, na época, a produção da padaria foi terceirizada.

Na análise da denúncia, “ao se utilizar da desinformação, os gestores tentam incutir nos eleitores, no caso os beneficiários desse programa, uma ideia de que, caso não permaneçam na gestão, tal fato poderia voltar a acontecer, sendo todos diretamente afetados”.  Questiona-se: “Por que essa comemoração (reinauguração) não foi feita nos anos anteriores?!”. 
O promotor fala em “abuso de autoridade”.

 “Apenas notícias de interesse do chefe do Executivo, [...] tudo patrocinado com dinheiro do erário”

O prefeito colocou em circulação, pouco antes do período vedado, informativo da Prefeitura de Arcos denominado “A CIDADE – Edição 07”, “onde se pode vislumbrar todos os ‘grandiosos’ feitos da atual administração”.

O custo para a confecção da mídia impressa foi de R$ 51.750,00 (cinquenta e um mil setecentos e cinquenta reais). 
Segundo o promotor, o informativo “não traz uma notícia ruim, não traz uma reclamação da população”. “Salvo a reportagem da fl. 08, onde há algumas orientações sobre o combate da dengue, o restante do periódico somente fala em obras, serviços e programas já concluídos ou em andamento pela Administração Municipal. Quem não conhece a cidade, pensa que estamos morando na Suíça! É só sucesso!”, escreve Dr. Rafael, acrescentando que o periódico tem “apenas notícias de interesse do chefe do Executivo, ora investigado, tudo patrocinado com dinheiro do erário”.

Ele salienta que embora o evento e a propaganda institucional tenham ocorrido em período permitido, “o abuso de poder político e de autoridade não sofrem limitação temporal”.

Na fundamentação jurídica, o promotor destaca uma citação de Edson de Resende Castro: “O abuso de poder interfere diretamente na formação da vontade do eleitor e na sua tomada de decisão quanto ao voto, daí que se constitui em contundente afronta ao princípio democrático. [...] Uma campanha eleitoral marcada pelo abuso de poder e/ou pelo uso indevido dos meios de comunicação social acaba comprometendo os resultados das urnas. [...] (In: Curso de Direito Eleitoral, 12ª edição, revisada e ampliada, Belo Horizonte: Bretas, 2024, p. 425 – grifo nosso).

Finalidade eleitoral

Na análise do promotor, conforme consta na Ação, a “finalidade eleitoral é evidente”. “[...] Tanto os textos jornalísticos, quanto as fotos veiculadas propalaram a ideia de que a cidade deve ao candidato as inúmeras benfeitorias municipais, pois este foi o tempo todo – seja por fotos, frases, menções diretas, logo da administração e cores do partido – relacionado pessoalmente às conquistas”. 
Dr. Rafael argumenta que esse “caráter personalista” “desembocou em ganhos eleitorais e frustrou a propalada igualdade entre os candidatos”.

Ainda segundo o promotor, na narrativa de que a atual administração é a única que se preocupa com a manutenção do lactário municipal, “o investigado gera na população em situação de vulnerabilidade uma incerteza quanto a permanência do benefício caso não se mantenham no poder os candidatos à reeleição”.

Pedidos

Diante do que foi exposto, no dia 23 de setembro [antes das eleições], o Ministério Público requereu à Justiça que os investigados fossem notificados para apresentação de defesa; que o secretário municipal de Comunicação de Arcos entregasse todas as imagens e vídeos do evento de inauguração do Lactário; que fosse designada audiência para inquirição de testemunhas; que fossem cassados os registros da candidatura para prefeito e vice em Arcos relativas às Eleições de 2024, ou cassados os diplomas, caso diplomados antes de ser prolatada decisão, além da declaração da inelegibilidade por abuso de poder; e que fossem os investigados, ao final, condenados ao pagamento de multa.

Está agendada uma audiência para o dia 22. O Portal CCO Arcos manterá seus leitores informados.

Segundo Dr. Rafael, a Ação foi proposta perto da eleição porque dependia de uma investigação que foi demorada. Isso dificultou a Ação da Justiça antes da eleição.

Prefeito não se manifesta

No início da tarde de hoje, 8, antes da publicação desta matéria, o prefeito Claudenir Melo foi comunicado, para que apresentasse sua defesa. Ele optou em não se manifestar.

O Portal CCO também tentou falar com o vice-prefeito, Sérgio Vilela, mas a ligação não foi atendida e a mensagem enviada por WhatsApp não foi respondida.

O espaço continua aberto para ambos.