Série Vícios e Virtudes: inveja dói! É uma tristeza profunda diante do sucesso dos outros
O sentimento abre portas para o ódio, o rancor e outros males; saiba como mudar isso
Desejar ser igual ao outro, entristecendo-se diante da essência dessa pessoa ou cobiçar seus bens e suas conquistas são sentimentos que caracterizam a inveja.
O entrevistado do Jornal e Portal CCO para a série Vícios e Virtudes, Prof. Doutor Pedro Miranda, que leciona Filosofia Tomista e é fundador e conselheiro geral da Confraria Tomista, dentre outras áreas de atuação, relata abordagens filosóficas sobre a inveja. Ele cita o Livro II da Retórica de Aristóteles; a Secunda Secundae da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, no Tratado sobre a Caridade (questão 36, artigo 1), assim como a explicação prática de como lidar com a inveja, no Compêndio de Ascética e Mística do Pe. Tanquerey.
“Levando em conta essas fontes e a experiência própria com esse vício, podemos definir a inveja como uma tristeza (acídia) que se sente com o bem do próximo. Esse próximo usualmente é um semelhante, ou seja, alguém de igual status social, idade, parentesco, função ou cargo. O invejoso sente uma tristeza profunda com o sucesso de seu semelhante, isto abre a possibilidade para o ódio, o rancor e a busca cega por sucesso a fim de mitigar as diferenças”.
Prof. Pedro Miranda observa que em particular, no Brasil, há um aprofundamento desse estado de tristeza com o bem do próximo:
“Nossa nação passa por uma profunda crise de caridade – amor. O próximo quase sempre é visto como um rival, competidor ou mesmo inimigo. Quando ficamos cientes da inveja que temos em nossos corações, notamos com mais facilidade a sutiliza das diversas ações dentro de nossos círculos sociais. Muito, por conta disso, inclusive, fala-se em sair do país”.
Nesse sentido, ele diz que a virtude contrária à inveja é especial, porque também é considerada um dom teologal: a caridade cristã.
Explica que “a caridade é o sinal mais claro de amor sobrenatural por nossos irmãos – todas as pessoas; e que esse amor ao próximo é consequência pelo amor que temos, e devemos ter, ao nosso Criador”.
Continua: “Assim, a inveja, como é vício no campo do amor sobrenatural, se contrapõe à caridade, que por sua vez é um sinal claro de falta de amor a Deus – primeiro mandamento”.
A Caridade em oposição à Inveja
Quando pesquisamos a etimologia da palavra, no site gramática.net, encontramos que a palavra “caridade” é originada do termo em Latim que significava “afeto ou estima”: CARITAS, derivado de CARUS, que significava “agradável, querido”.
Portanto, pode-se dizer que ser amável com as pessoas, sentir-se feliz diante das conquistas dos outros, é um gesto de caridade e, de fato, opõe-se à inveja.
Bem mais difícil é ser tolerante com uma pessoa desagradável e perdoar alguém que nos prejudicou; se concretizarmos isso, também estaremos sendo caridosos.
A beata Maria Concepción Armida (Conchita) traduz bem essa oposição entre Inveja e Caridade: “[...] É a inveja destruidora da caridade fraterna. Por vezes disfarça-se a ponto de envenenar a alma sem que esta nada perceba! A inveja também se esconde por trás de uma hipocrisia desleal, causando incontáveis danos espirituais” [Do livro: Tratado prático dos vícios e virtudes – pág. 188].
Diante dessa citação, o professor ressalta que a caridade é um dom teologal, “infundido no momento do batismo”. Ele diz que na Grécia Antiga, o bem comum da pólis [cidade] era a “virtude” necessária para combater a inveja que, mesmo na antiguidade pagã, era considerada um mal”.
Assistencialismo é diferente de Caridade
Geralmente, a palavra Caridade é confundida com Assistencialismo, ao ato de “fazer caridade”, de “dar esmolas”. No entanto, é preciso entender que Caridade e Assistencialismo não são propriamente sinônimos. “O assistencialismo nada tem a ver com caridade cristã, pois ele afasta o ato de caridade que deve, por definição, ser entre pessoas. O assistencialismo procura apenas terceirizar as obras de caridade colocando uma instituição estatal como mediadora da ajuda. Isso não significa que assistencialismo seja ruim em sua essência, só não é caridade”.
Por outro lado, explica o professor, dar esmolas, dar atenção, doar tempo aos outros são atos de caridade “quando houver uma intenção de amor e aproximação com o próximo”. Ele esclarece: “O objeto da esmola não é tanto o ato de dar algo, mas o de igualar a dignidade humana do próximo com a sua. Pense por um minuto sobre o estado de indigência. Uma pessoa nessa circunstância não é indigente, ele está indigente. É um estado e não uma existência. Como é um estado, ele pode mudar. Assim como ele pode sair desse estado, nós podemos entrar nele. Por isso, o indigente deve ser objeto de nossa atenção sempre que pudermos, pois quando damos atenção, dinheiro, comida a ele, estamos igualando a humanidade que há nele com a nossa própria. Isso é um dos sinais de caridade”.
Sentir inveja dói!
Sim, o invejoso sofre! “Sofre de uma profunda angústia, pois em sua alma o bem do próximo é motivo de tristeza. Assim, quase sempre ele está consumido por uma frustração constante que se concretiza com sentimento de inferioridade – muitas vezes uma inferioridade verdadeira”.
E como o invejoso reage a esse estado? O professor descreve algumas maneiras: “Com o excesso de trabalho para tentar se igualar ou sobrepujar seu rival; com o ódio e o rancor, podendo converter-se em atos de violência verbal, física e moral; ou pode reverter em um estado de depressão”.
E quanto à pessoa invejada? “Ela deve estar consciente de alguém que a inveja, pois pode ser alvo de violências, como vimos. No entanto, por caridade, o invejado deve buscar mitigar a tristeza de seu irmão invejoso, mostrando a ele que não é justificado o sentimento de inveja, pois o bem de um não implica no mal de outro”.
“Remédio” para deixar de ser invejoso
Nosso entrevistado recorre aos conselhos do Pe. Tanquerey, para responder à pergunta: “Um deles, e dos mais relevantes, é ocupar o tempo com boas obras, pois: ‘cabeça vazia é oficina do diabo’. Quem está ocupado com a própria vida, não terá tempo para cuidar da vida alheia. Ademais, é importante incutir uma grande convicção sobre o seguinte fato: o bem do próximo não implica meu mal”.
Ele diz que na maior parte do tempo, o bem alheio é um bem para todos. “Se todos forem bons, as coisas melhoram e não o contrário. Veja-se nisso a irracionalidade do sentimento de inveja”.
Use a inveja como trampolim para imitar aquilo que é bom
Uma alternativa para quem sofre desse sentimento é usá-lo como trampolim: “Use a inveja para transformá-la em emulação. A emulação cristã é copiar, ou mesmo imitar, aquilo que há de bom no próximo a fim de que também sejamos bons como o próximo. Nesse caso, o próximo é um modelo de conduta acerca do bem invejado. Nesse processo, o invejoso torna-se virtuoso por ter como modelo alguém que era motivo de tristeza. Mas cuidado! Para que essa emulação seja saudável, é necessário ter: honestidade sobre o que é o bem; nobreza de intenção – desejar o bem pelo seu bem e não para “parecer” algo; ser leal no procedimento de obtenção do bem – sem usar subterfúgios e mentiras para obter esse bem inicialmente invejado”.
O fato é que ser invejoso resulta em desconforto e tristeza. O melhor que se tem a fazer é livrar-se desse sentimento, ficando feliz com o sucesso do outro e logo experimentando uma sensação de bem-estar indescritível.
Entrevista, Pesquisa e Redação: Jornalista Rita Miranda.
Matéria publicada no antigo site do Portal CCO em 12 de setembro de 2022