Ex-prefeito fala sobre a política em Arcos no período da ditadura

José Teixeira de Rezende, aos 87anos, conta que pertenceu ao ARENA, partido do Regime Militar, mas afirma que não sabia das torturas praticadas

Ex-prefeito fala sobre a política em Arcos no período da ditadura
José Rezende, que foi prefeito de Arcos de 1971 a 1973, revela que foi do partido do Governo Militar (ARENA), mas não sabia das torturas contra os chamados “subversivos”. “Isso me dói muito”, afirma ao CCO

1964 a 1985 – Amanhã, dia 31 de março, completam-se 50 anos do Golpe Militar no Brasil (para entender sobre o período, leia matéria no site do CCO - www.jornalcco.com.br). O CCO entrevistou o ex-prefeito José Teixeira de Rezende, hoje com 87 anos, que esteve à frente do Executivo Municipal entre fevereiro de 1971 a janeiro de 1973. Na época, o presidente do regime militar era Emílio Garrastazu Médici (gestão 1969-1974). 

Com sua cordialidade habitual, José Rezende recebeu uma jornalista do CCO em sua casa na última segunda-feira, 24, onde concedeu a entrevista. De acordo com registros históricos, uma das características marcantes da época foi o bipartidarismo: ARENA (Aliança Renovadora Nacional – partido criado pelo Regime Militar/Governo) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro – partido da oposição controlada). José Rezende afirma que pertenceu ao ARENA. “Quando fui prefeito, entrei pelo ARENA.  Tinha ARENA 1 e 2, não lembro de qual eu era. Era o partido do Governo. Eu não tinha muita consciência de que era uma ditadura, fui do partido porque só esperava coisas boas”, justifica.  

Arcos - 31 de março de 1972: Ato cívico em “Comemoração” aos 8 anos da “Revolução” de 1964 (sic), nas palavras do então prefeito de Arcos, José Rezende 

Outro fato curioso relatado pelo ex-prefeito foi quanto ao seu rápido encontro com o então presidente Médici, em 1971. “Fui prefeito em plena ditadura militar. As dificuldades é que naquele tempo ‘não tinha deputado’ [que fizesse as indicações ao Governo]. O que tinha aqui era Otacílio Miranda, e a gente ia pôr nome de deputado pra arrumar alguma coisa lá [no Governo Federal] e não conseguia nada. Tiraram a autonomia dos deputados, porque eles não precisavam de deputado, era ditadura. Aí eu consegui, com muita dificuldade, uma entrevista com o presidente Médici. Cheguei a falar com ele, mas foi questão de 1 minuto só, em 1971. Fui pedir a ele canos para instalação de água na cidade. Cheguei e falei: Oh! Nós vamos decretar calamidade pública em Arcos, os bairros estão sem água, não temos verba, a Prefeitura não tem dinheiro. Ele [Médici] só falou com a ordenança dele lá: “Atenda-o”, e fez a assinatura lá. Quando fez mais ou menos um mês, chegaram 12 caminhões de canos pra colocar água na cidade”.

Outra obra que José Rezende conseguiu para Arcos, no governo militar, foi o viaduto ‘Plácido Teixeira de Rezende’ (nome do pai dele), próximo à PUC. Ele também conseguiu a vinda da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) para Arcos, em 1971, falando com o diretor da empresa na época, General Pinto da Veiga (em 1971).


‘A única coisa que reclamo do governo militar é dessa judiação com o nosso povo. Isso me dói o coração. E eu estou sabendo disso agora’, diz José Rezende


Nesse ponto de vista [de ser atendido pelo Governo Federal], eu não posso reclamar da ditadura. A única coisa que reclamo do governo militar é dessa judiação com o nosso povo brasileiro. Isto me dói o coração. E eu estou sabendo disso agora. Eu não sabia disso. Eu não sei se houve torturas e mortes, mas que houve as torturas houve, porque agora está passando na televisão. Na época era mil maravilhas, só tinha notícias boas [notícias de torturas e mortes dos chamados “subversivos” não eram veiculadas]. E por outro lado, se não fossem as torturas, foi um dos melhores governos que eu já vi. Você vê que eu ia lá, pedia as coisas e ganhava [...]”, relata e opina. 


‘Certo professor pedia para ver meu plano de aula e sugeria que eu não deveria falar sobre alguns assuntos. Dentre esses, salientava aqueles que falavam das  desigualdades [...]’, lembra Marlene Rodrigues

A Profª Mestre Maria Marlene Rodrigues, 59 anos, ex-vereadora e hoje consultora de gestão na ETFG/Sebrae, também falou ao CCO sobre o período da ditadura. Veja um trecho do depoimento dela: 

“Um fato marcante da década de 1970 foi minha participação ativa nos movimentos da igreja. Eram movimentos de formação de líderes, estudávamos a história da igreja e os documentos da época que mudavam a história, como: o encontro de Puebla, no México, culminando a opção preferencial pelos pobres, dentre vários outros temas [...]. Dessa época surgiram muitos líderes, na comunidade, como: Dimas Rodrigues, Laércio Nunes, Joaquim Braz, Kalito Macedo, Marcos Mateus, Tia Elza Miranda, Cidinha Alves, ‘Tia Gê’, Toninho Dias e outros que não consigo enumerá-los. Interessante que muitos conservadores [de Arcos] não aceitavam muito nossos movimentos e nos chamavam de reacionários, porque nós fazíamos um trabalho de conscientização, de formação cristã, coerência e ética e procurávamos buscar nossas próprias ideias. Como aluna, na década de 1970, nós tínhamos um currículo imposto pelo sistema e, nele, Educação Moral e Cívica, ditando as normas. Observávamos que nossos Mestres cumpriam fidedignamente o que lhes eram determinado [pelo Sistema].  Quando saíamos da escola, após a aula, passávamos no “Gamelão”, o ponto de encontro da juventude. No período da ditadura éramos aconselhados  a não aglomerar, ou seja, andar sem formar grupinhos, pois “podia haver agente do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) infiltrados”, diziam eles, “o momento era perigoso”.


O ‘censor’ da escola e a música “Marcha soldado...” 

– “Ainda na década de 1970 lecionava Sociologia para o curso de Magistério. Certo professor pedia para ver meu plano de aula e às vezes, sutilmente, ele sugeria que eu não deveria falar sobre alguns assuntos do planejamento porque era perigoso. Dentre esses assuntos salientava aqueles que falavam das questões sociais,  das desigualdades, das atribuições e deveres do Estado, enfim, assuntos que se referiam ao Governo. Quando estive Secretária de Educação, eu visitava as escolas e via aquelas crianças perfiladas, cantando o Hino Nacional, e ao entrar para as salas de aulas as professoras pediam que elas colocassem as mãozinhas para trás; ouvia algumas professoras cantar a musiquinha “Marcha soldado, cabeça de papel, quem não marchar direito, vai preso no quartel...”. Um dia, numa reunião com as diretoras, pedi que mantivessem as filas, que continuassem a cantar o nosso hino, porém, sem mãos para trás, e que não cantassem mais aquela música com as crianças, pois era reprodução do  sistema, do período da ditadura militar, e que tínhamos que  esquecer”.


 Participação de Arcos no movimento “Diretas Já” 

– Marlene Rodrigues também deu sua contribuição no movimento ‘Diretas Já’. Veja o relato: “Em meu primeiro mandato como vereadora, a Câmara de Arcos, juntamente a várias Câmaras da Região, articulou a criação de uma Associação, cujo objetivo era fortalecer o Movimento das ‘Diretas já’, para Presidente da República. Foi um Movimento muito ativo, com Assembleia em vários municípios e na Capital. Nasceu assim a AVERCOM (Associação dos Vereadores do Centro-Oeste de Minas). Era um trabalho em nível regional, por meio do qual conscientizávamos a população sobre a importância da eleição direta para Presidente da República.  O Movimento fortaleceu e contribuiu muito para esse fato histórico. Assim, Arcos participou das decisões políticas naquele cenário, já finalizando o período da ditadura. Sinto-me privilegiada por ter dado um pouquinho de contribuição”, conclui.


Matéria publicada no jornal CCO, edição de 30 de março de 2014.