Os malignos de Addams

Confira mais este artigo de Francielle Farreira em sua coluna Mística Literária

Os malignos de Addams
Francielle Ferreira, colunista de Literatura do Jornal CCO
 
O belíssimo livro A FAMÍLIA ADDAMS: álbum de família, da editora DarkSide Books, esmiúça a origem da famosa família gótica. Além de ressaltar as características originais dos personagens principais que não foram fielmente expostas nas variadas mídias.
Você sabia que a famosa família Addams não surgiu de um filme? Sua origem é a mídia impressa, os cartuns feitos por Charles Addams. Ademais, os personagens não foram criados em conjunto. Os primeiros personagens que apareceram foram Morticia, Tropeço e o Coisa, no cartum publicado na New Yorker em 06/08/1938.
Cumpre expor que Charles Addams escolheu o nome de Morticia quando folheava as Páginas Amarelas e se deparou coma seção Morticians que significa agentes funerários. A personagem é apresentada como “chefe genuína e a força motriz essencial da família. De voz contida incisiva e sutil; sorrisos raros. É a beldade decadente, mas também tem um lado romântico [...]”. (p. 43).
Já Gomez apareceu pela primeira vez no cartum publicado em 14/11/1942, abraçando Morticia. Cabe esclarecer que “ele não é o valente fanfarrão, bon-vivant e ídolo de matinês concebido nos dois longas-metragens de Scott Rudin sobre a família Addams, nos quais Raúl Juliá estrelou como o afável Gomez”. (p. 63).
Pelo contrário, o personagem “é um homenzinho rústico, sombrio, sujinho, às vezes meio untuoso, com nariz arrebitado e muito mais dinheiro do que inteligência ou cérebro, de tal modo que pode ter o que quiser”. (p. 63). 
O nome de Gomez foi escolhido por ser de um amigo da família de Charles. Frisa-se que sempre faz de tudo para agradar sua bela Morticia, além de ser um ótimo pai. 
Sobre o celebrado casal sombrio, tem-se que “o artista decidiu-se por evitar todos os clichês do belo príncipe e da princesa cavalgando ao sol quando fez dois inconsequentes incompatíveis caírem de amores um pelo outro”. (p. 63).
O cartunista descreveu Vandinha da seguinte forma: “tem os cabelos pretos e a tez branca da mãe [...]. Calada, criativa, poética, tem ares de infame e é dada a birras. Tem seis dedos em um de seus pés”. (p. 83). 
Já Feioso, “cabelos entre o ruivo e o loiro, olhos azuis saltados [...]. Gênio à sua própria maneira, ele cria guilhotinas de brinquedo, rodas de tortura, ameaça envenenar a irmã e consegue se transformar em Mr. Hyde com um kit pequeno químico”. (p. 87).
Chas Addams descreve a vovó como “a velha coroca e indelicada é a mãe de Gomez (marido de Morticia) [...]. Também é a preferida das crianças e prepara biscoitos em forma de morcegos, caveiras e ossadas”. (p. 127). 
O artista definiu Tropeço como sendo um mordomo não muito eficiente, mas muito fiel. Inclusive, ele é protetor das crianças que são suas preferidas. Já tio Chico é completamente inconsequente “não fosse a boa vontade da família e a ignorância da polícia, estaria atrás das grades [...]. Não tem dente algum, nem pelos. Gosta de pescar, mas costuma empregar dinamite ou outro recurso indevido”. (p. 141). 
Um personagem que sofreu uma grande modificação foi o Coisa que inicialmente era um personagem que aparecia dos ombros para cima, espiando a família. Posteriormente, foi alterado para Mãozinha pela Filmways. Quanto à definição original tem-se:
 “Coisa (...) costuma ser visto observando a família pela balaustrada do mezanino que dá para a sala de estar. Não sabemos exatamente quem ou o que é, mas, seja o que for, é alma de boa vontade – está sempre sorrindo e, vez por outra, pode ganir”. (p. 179).
Portanto, nota-se que os personagens dos cartuns não foram fielmente retratados nos filmes. Uma outra curiosidade é que eles só ganharam nomes depois de 1963. Chas Addams resumiu a relação da família: 
“Gomez e Feioso são fervorosos. Morticia é de disposição inabalável, silenciosa, sarcástica, às vezes letal. Vovó é boba e bonachona. Vandinha puxou à mãe. É uma família muito apegada; quem manda de fato é Morticia [...]. A mansão pode estar caindo aos pedaços, mas ainda assim a família tem orgulho do lar, e cada alçapão ganha a devida manutenção. Dinheiro não é problema”. (p. 23).
Imperioso expor que o cartunista não tinha a intenção de criar uma família e que não batizou a família de Addams. A imprensa que começou a tratar os personagens como “a família de monstros do Addams” e se referia à “Mansão Addams”. Inclusive, posteriormente, o próprio artista passou a chamá-los de “Addams Evils” (Os malignos de Addams). 
Diante da análise da família, resta cristalino que, embora “Os malignos de Addams” estejam associados às trevas, é possível enxergar bastante luz ao longo da convivência familiar retratada nos cartuns. Além da valorização do lar, mesmo decadente. 
A família sempre está unida em jantares e passeios, sendo certo que um encontra a força necessária no outro. A começar pelo amor de Gomez e Morticia, como um equilibra o outro, pois o primeiro é “quente” (tem uma veia latina) e a segunda é “fria”. Apesar das gritantes diferenças, um é completamente apaixonado pelo outro.
Embora Vandinha e Feioso briguem muito, é possível perceber que se divertem juntos. É exatamente assim que ocorre com irmãos, nem sempre estão mil amores, mas têm união e um complementa o outro. 
O fiel Tropeço que sempre serve a família da melhor forma, a vovó que faz de tudo para agradar os netos. A proteção familiar oferecida para o Tio Chico. É invejável como os personagens cuidam de seus relacionamentos e valorizam a presença de seus entes queridos. 
Todos nós deveríamos extrair dessa família uma lição muito importante: qualidade de tempo com quem amamos. Parar de priorizar as telas e priorizar olhares. Sentar à mesa e se divertir genuinamente, pois isso até mesmo uma família maligna nos mostra como fazer!
Referência: A família Addams: álbum de família / Chas Addams; Kevin Miserocchi; tradução de Érico Assis. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 2021. p. 256.