ALPHONSUS DE GUIMARAENS: O POETA DO LUAR E DA MORTE
Mística Literária: confira o artigo de Francielle Ferreira, em sua coluna

Além do talentoso escritor estadunidense Edgar Allan Poe, a literatura brasileira também tem um poeta em especial, entre outros, que retratou a figura do corvo em um de seus poemas. Trata-se de Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) – pseudônimo de Afonso Henrique da Costa Guimarães – natural de Ouro Preto/MG, que foi poeta, promotor, juiz e jornalista.
Alphonsus se tornou mais melancólico, mergulhando na esfera gótica, após a morte de sua amada primeira noiva Constança que era sua prima. Vários de seus poemas refletem a dor dessa tragédia que ocorreu quando ela tinha 17 anos e ele tinha 18. Inclusive, além de abordar temas fúnebres, ele idealizava a mulher comparando-a com um anjo. Seu primeiro livro de poesia chama-se Dona Mística e foi publicado em 1899.
O jurista brilhante casou-se com Zenaide e teve vários filhos. Infelizmente, ele teve uma morte trágica, uma vez que suicidou após a morte de sua filha Constança, cujo nome foi uma homenagem à sua primeira amada. Em seu túmulo foi colocada a frase “Aqui jaz o poeta do luar”. Frisa-se que Alphonsus se considerava o poeta da morte e alquimista da morte.
Ante o exposto sobre esse sensível e extraordinário poeta/jurista, cumpre expor seu poema sobre um corvo e outro sobre a mulher como um anjo.
A cabeça de corvo
Na mesa, quando em meio à noite lenta
Escrevo antes que o sono me adormeça,
Tenho o negro tinteiro que a cabeça
De um corvo representa.
A contemplá-lo mudamente fico
E numa dor atroz mais me concentro:
E entreabrindo-lhe o grande e fi no bico,
Meto-lhe a pena pela goela a dentro.
E solitariamente, pouco a pouco,
Do bojo tiro a pena, rasa em tinta…
E a minha mão, que treme toda, pinta
Versos próprios de um louco.
E o aberto olhar vidrado da funesta
Ave que representa o meu tinteiro,
Vai-me seguindo a mão, que corre lesta.
Toda a tremer pelo papel inteiro.
Dizem-me todos que atirar eu devo
Trevas em fora este agoirento corvo,
Pois dele sangra o desespero torvo
Destes versos que escrevo.
Ismália
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava longe do céu...
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar. . .
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma, subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Ilustração fascinante feita por Odilon Moraes sobre o poema Ismália, em livro com o mesmo nome.
Resta cristalino que Alphonsus escrevia muitíssimo bem e sua poesia reflete uma sensibilidade ímpar. A literatura brasileira está recheada de grandes poetas!