Um baile de Carnaval na Vila de Arcos, em 1933

Um baile de Carnaval na  Vila de Arcos, em 1933

"Tudo denunciava uma noite de orgia, delírio e pecado. Mas decorreram algumas horas sem que nenhuma melindrosa ousasse penetrar no recinto [...], e os organizadores da festa momenta e os dois mil rapazes que lá estavam se dispunham já a abandonar Momo e abraçar Morpheu, depois de uma saudação a Baco, quando, cedendo à insistência de arrojado cavalheiro, penetraram no salão 3 gentis senhorinhas, sob estrepitoso frêmito de palmas do porteiro, que nesse momento havia interrompido o seu cochilar [...]"


Há mais de 90 anos, já aconteciam bailes de Carnaval na então Vila de Arcos. Republicamos, a seguir, uma reportagem publicada no Jornal "O Arco da Velha" - Edição nº 06 - Vila de Arcos - 16 de julho de 1933.


"O baile de domingo" 

Conforme estava projetado, realizou-se domingo, no vasto e desnivelado salão do Cine-Teatro, um formidável arrasta-pés em homenagem ao imperecível Momo. Nunca se viu em Arcos um baile assim. O povo em peso compareceu, mas todos ficaram do lado de fora, formando uma massa tão espessa que interrompia o trânsito dos que ficaram em casa. O Jáz não se fez esperar. Às 20 horas já lá estava, e os músicos entumeciam as carótidas, arrancando de seus metálicos instrumentos, sons cadentes. A comissão receptora dos convivas, toda empoada, aguardava a chegada dos foliões; o porteiro, no seu posto, intransigente, não arredava o pé senão para recuar a molecada que enchia os arredores. Tudo denunciava uma noite de orgia, delírio e pecado. Mas decorreram algumas horas sem que nenhuma melindrosa ousasse penetrar no recinto adrede preparado para o baile, e os organizadores da festa momenta e os dois mil rapazes que lá estavam se dispunham já a abandonar Momo e abraçar Morpheu, depois de uma saudação a Baco, quando, cedendo à insistência de arrojado cavalheiro, penetraram no salão 3 gentis senhorinhas, sob estrepitoso frêmito de palmas do porteiro, que nesse momento havia interrompido o seu cochilar.

Pouco depois, outras tantas moças, das mil e tantas que Arcos possui, imitaram o gesto soberbo das primeiras, ao mesmo tempo que a orquestra, rompendo um samba muito em voga - Tatu subiu no pau, alvoraçou a rapaziada, mas... as moças ao compasso do Tatu subiu... foram sumindo para o anfiteatro, e o desapontamento foi geral.

O sol já tocava o seu nadir (meia-noite e um minuto), quando conseguiram reunir alguns pares. O baile, pois, começou à hora de acabar, como de fato logo acabou. 

Trepados em uma pedra, de fora tudo observávamos, pois não recebemos convite para tão empolado sarau.

Assim pudemos, em poucos minutos de folguedo, ver e ouvir o seguinte que lá dentro se passava: O Ovídio fazer uma declaração de amor a uma jovem, mas não dizemos quem; o Valter fazer-se de vassourinha e as moças a dizerem - não estou ligando; o Sindnei esquecer-se de que é noivo, fazendo cavação; o Jarbas dançar com uma jovem que... não será uma viuvinha? Certa senhorinha escusar-se de bailar, alegando cumprir prescrição médica. 

E nisso, como galos empoleirados, ouvimos distintamente uma voz que disse: "A festa está terminada. Ficam todos convidados para o baile de amanhã, às mesmas horas, em lugar que não se sabe, pelo motivo já sabido.

(Embora sem assinatura, provavelmente o autor do texto é Jarbas Ferreira Pires).