Uma pós-doutora arcoense em Lisboa

Arcoenses pelo mundo

Uma pós-doutora arcoense em Lisboa
Na Universidade de Skövde, na Suécia

Cláudia Silva, hoje com 38 anos, viveu toda a infância e adolescência em Arcos. Com apenas 21 anos, seis meses depois da graduação em Comunicação Social (Especialização em Jornalismo) na PUC Minas em Arcos, estabeleceu para si própria o objetivo de se mudar para um país de língua inglesa para aprender inglês. Além disso, queria conhecer outras culturas. 

Cláudia Silva no Fórum Econômico Mundial, em Genebra, na Suíça, em março deste ano

Ela tinha um dinheirinho guardado, mas não era suficiente para se manter em um país onde não pudesse contar com nenhum suporte. Assim, por ser mais viável, foi para Lisboa (Portugal), onde o custo de vida era mais barato, e também onde a mãe de uma amiga morava, garantindo a ela o apoio necessário naquela fase. Isso foi em julho de 2006.

A experiência profissional adquirida em Arcos até aquela época foi em estágios, mas já demonstrava talento e estilo no ofício de repórter e redatora, com textos oferecendo muito mais que o trivial. Em maio de 2006, escreveu para a revista “a par” sobre o antigo bar Tom Bege, que funcionou em um casarão na praça Floriano Peixoto e, quando fechado, deixou gerações entristecidas. O título do artigo já demonstrava o talento da garota: “Tom bege destilado em tons de saudosismo”.

Como estagiária do jornal-laboratório da PUC Minas em Arcos, recebeu um prêmio estadual de reportagem concebido pela FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente) em 2005.

Pouco tempo depois, Cláudia deixou Arcos com direção a Portugal. Aqui ficaram seus três irmãos, tios, primos. Em Pains, terra dos pais dela, também tem parentes. A mãe, Maria Auxiliadora da Silva, era bastante conhecida em Arcos devido ao trabalho autônomo na comercialização de joias; ela morreu em 1994, quando Cláudia tinha 9 anos de idade. O pai, Pedro Augusto da Silva, era mecânico industrial e trabalhava na unidade local da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Quando ele morreu, em 2002, ela estava com 17 anos. 


Em Tirana, capital da Albânia, nos estúdios do canal de TV A2|CNN

Foi em Lisboa e, posteriormente em Austin, Estados Unidos, que a jovem deu sequência à carreira acadêmica, tornando-se doutora em Mídias Digitais e pós-doutora em Interação Humano Máquina. O currículo é extenso, não caberia nesta matéria. De fato, evidencia que ela dedicou os melhores anos de sua juventude ao estudo. Atualmente, é professora na Universidade de Lisboa, na faculdade de Engenharia – conhecida em Portugal como Instituto Superior Técnico. 

Outro trabalho desenvolvido é o de pesquisadora no ITI-LARSyS (Instituto de Tecnologias Interativas- Laboratório de Robótica e Sistemas de Engenharia - https://iti.larsys.pt/ ). Além disso, é colaboradora do principal jornal nacional português: "Público".

Antes de alcançar este patamar profissional, dedicou-se ao estudo da língua, em um curso intensivo de seis meses em Dublin, Irlanda, no ano 2009. 

Foi no segmento dessa experiência em Dublin que, entre janeiro de 2012 e abril de 2016, durante quatro anos e meio, morou nos Estados Unidos, dedicando-se à sua pesquisa de doutorado e tornando-se fluente em inglês.

Viagem a Nova Iorque

Contudo, Cláudia decidiu retornar a Portugal, pois teve uma oferta para fazer um pós-doutorado no arquipélago da Madeira, onde viveu um ano e meio. Foi uma opção, porque é onde ela se sente bem. “Já me sinto em casa aqui. Às vezes, muito vagamente, penso em sair e voltar aos Estados Unidos, mas meu plano é ficar aqui em Lisboa. [...] Comecei minha vida adulta aqui, meu primeiro trabalho foi aqui. No Brasil, nunca vivi numa cidade fora de Arcos”, conta.

As “raízes” estão em Arcos, Pains (de onde os pais são) e em Portugal, mas permanece o desejo de conhecer o mundo, que é concretizado aos poucos. Cláudia faz parte de uma rede europeia de pesquisadores, na qual os integrantes têm financiamento para custear reuniões de trabalho pela Europa. Também conhece a Suécia, onde ficou por um mês, de agosto a setembro de 2021, na condição de professora visitante em uma universidade, desenvolvendo trabalho de pesquisa.


Choques culturais em Portugal 

Ela observa que apesar da Internet, ainda há muitos brasileiros que não conhecem muito bem o país europeu, mesmo diante do fato de que o Brasil foi colonizado pelos portugueses. “O primeiro choque que enfrentei e que os brasileiros enfrentam é a diferença de comportamento e as diferenças linguísticas. Os portugueses ouvem os brasileiros por meio das novelas, do cinema, mas os brasileiros não ouvem muitos portugueses. É constrangedor, porque é a mesma língua”, explica, referindo-se à dificuldade inicial de comunicação. 

No que se refere ao comportamento: “A diferença é que os portugueses são mais fechados que os brasileiros. Tanto nos relacionamentos interpessoais quanto nos estabelecimentos comerciais, são mais reservados”.


O que os brasileiros podem ensinar aos portugueses?

Diante da pergunta, ela cita políticas públicas como exemplo. “No que diz respeito à criação de políticas públicas para a equidade étnico-raciais, Portugal ainda precisa avançar em muitos aspectos sociais nos quais o Brasil tem avançado mais”. Em síntese, Cláudia está se referindo às políticas públicas de inclusão, a exemplo das cotas nas universidades e demais medidas que têm o objetivo de reduzir atitudes preconceituosas e discriminatórias nas mais variadas situações.  

Ao responder, ela citou Djamila Ribeiro como referência. Trata-se de uma filósofa, feminista, escritora e acadêmica brasileira. Nossa entrevistada tem a mesma convicção quanto a esse olhar sobre os portugueses. “Djamila falou isso aqui em Lisboa, que os portugueses têm que aprender com o Brasil”. 

Um exemplo das assimetrias históricas entre os dois países, Cláudia comenta, é quanto ao ensino da literatura portuguesa no Brasil, enquanto em Portugal não se ensina formalmente literatura brasileira nas escolas. Continuando, ela adiciona que em âmbito institucional, as escolas portuguesas poderiam ensinar sobre nossa literatura. 

Ao longo da conversa, Cláudia acrescentou que o ensino da língua inglesa nas escolas de ensino básico é eficiente em Portugal e todos se tornam fluentes, o que não acontece no Brasil, onde os estudantes precisam ingressar em cursos de inglês em escolas especializadas. Isso sim, o Brasil deve aprender com Portugal: garantir ensino de qualidade da língua inglesa nas escolas regulares.  


Além do trabalho 

Doutora Cláudia Silva é, de fato, uma intelectual. Dedica grande parte do seu tempo às leituras, pesquisas, produções científicas e demais atividades profissionais, mas não se priva dos seus momentos de lazer e entretenimento. Também gosta de cozinhar.  Quando sente falta da culinária mineira, ela mesma prepara. O que mais gosta é frango com quiabo. Para o lanche, pão de queijo.

Aprecia uma caipirinha, hábito que aprendeu em Portugal; nunca havia experimentado bebida alcoólica quando vivia no Brasil.


Retorno ao Brasil e pesquisa sobre “Discurso de Ódio”

Cláudia retornou ao Brasil apenas duas vezes: uma em 2011 – cinco anos depois que partiu – e outra entre 2018 e 2019, para as festividades de virada de ano. 

Sem data prevista, pretende retornar e permanecer aqui por alguns meses, para estender a sua rede profissional e desenvolver pesquisa noutros estados, como no Rio de Janeiro ou na Bahia, com a temática referente ao “Discurso de Ódio.”  Ela tem estudado o tema em Portugal, no contexto do projeto KNOwHATE ( https://knowhate.eu/ ), financiado pela União Europeia.

Cláudia percebe esse discurso entre pessoas de direita e esquerda, sendo mais frequente na extrema direita. “Existe nos dois lados, direta e esquerda, mas o aumento no discurso de ódio está intimamente ligado ao aumento da extrema direita no mundo. É um dado científico. Discurso contra comunidades historicamente marginalizadas, como pessoas racializadas, migrantes, mulheres, ou homossexuais”, exemplifica. 

Irá prosseguir na carreira acadêmica em Portugal e quer estender a rede internacional para Ásia e África, também para o desenvolvimento de pesquisas. A próxima viagem será para as ilhas Canárias, na Espanha, onde será uma das instrutoras num curso de verão para alunos de doutorado. 


Situação econômica de Portugal 

Perguntamos o que ela vê pelas ruas e o que ouve. Cláudia percebe que, desde a pandemia, as desigualdades sociais aumentaram bastante no país. “Há ruas inteiras com pessoas vivendo em tendas, cada vez mais pessoas pedindo nas calçadas, o que antes não existia. Antes eram mais problemas de toxicodependência”.

Devido à inflação e a outros fatores, o custo de vida aumentou e ela diz que morar na capital, Lisboa, hoje é considerado um luxo.

Por enquanto, não há problemas de segurança e nem muitas ocorrências relacionadas à criminalidade, o que pode vir a acontecer em decorrência da situação de quem vive nas ruas.     

Existem políticas públicas como o “Rendimento Social de Inserção” para famílias com baixo rendimento.  

Ela elogia os serviços públicos de saúde e educação. Lá também existem os postos de saúde e os médicos de saúde da família. Um problema é que, devido aos baixos salários, percebe-se a falta de médicos e enfermeiros. 


Para quem sonha em “conhecer o mundo”

Cláudia incentiva, em uma análise realista. É preciso buscar informações – inclusive sobre bolsas de estudo – e ter foco. Ela conta que ao decidir que deixaria o Brasil, não tinha muitas informações sobre as bolsas de estudo e os projetos de intercâmbio. Esses são alguns dos caminhos e exigem dedicação. “É importante saber o que quer, realizar um trabalho contínuo, com empenho e foco. Agora estou em uma fase de desfrutar da vida. Viajo regularmente, mas não quero passar uma ideia romântica da vida aqui”.  Muitas vezes, ela viaja a trabalho.

Ficou com gostinho de “quero mais”? Leia artigos de nossa entrevistada no link https://www.publico.pt/autor/-claudia-silva -.