Vítima de estupro pode ser punida com pena maior do que seu estuprador? O polêmico Projeto de Lei nº.: 1904/2024
Confira os comentário do Dr. Cayo Freitas em sua coluna Direito em Foco, sobre a questão da pena pelo crime de estupro.
Nos últimos dias foi aprovado um requerimento de urgência na tramitação do Projeto de Lei (PL) nº.: 11904/2024, na Câmara dos Deputados, o que fez com que se tornasse alvo de intensas críticas, dos mais variados segmentos da sociedade, por ferir direitos de mulheres e crianças.
Considerando a enorme importância do assunto, na coluna de hoje, explicarei no que consiste o referido PL para que vocês, estimados leitores, possam refletir.
Inicialmente, é importante esclarecer, que o aborto é considerado crime no Brasil. A mulher que provoca aborto em si mesma ou permite que outra pessoa o faça por ela, pode ser penalizada com uma pena de detenção de um a três anos. A pessoa que pratica o aborto, sem o consentimento da gestante, pode ser punida com reclusão de três a dez anos e se há o consentimento da gestante, a pena é de um a quatro anos.
Apesar de ser crime, o próprio Código Penal, prevê situações em que não se deve punir o aborto, quais sejam: a) quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (conhecido como aborto necessário ou terapêutico); b) quando a gravidez é resultante de estupro e a gestante consente com o procedimento (conhecido como aborto humanitário ou ético); c) quando diagnosticada a anencefalia do feto.
Feitas essas considerações, fica mais fácil entender o que se pretende com o PL 1904/2024. De acordo com o projeto, quando o crime de aborto for praticado em situações de viabilidade fetal, presumida em gestações acima de 22 semanas, as penas aplicadas serão as mesmas previstas para o crime de homicídio simples, ou seja, de seis a dez anos de reclusão.
O que chama a atenção é que, mesmo no caso de aborto permitido em razão da gravidez resultante de estupro, o PL pretende punir, com as mesmas penas do crime de homicídio, a mulher que não pretende seguir com a gestação, violando assim a sua dignidade como pessoa humana.
Ademais, a pena imposta à mulher que pratica o aborto nessas condições, poderia se tornar maior que a pena daquele que contra ela praticou o crime de estupro. Isso porque a pena prevista para o delito de estupro é de seis a dez anos de reclusão e para o crime de estupro de vulnerável de oito a quinze anos de reclusão.
Outro ponto que gera estranheza no projeto de lei ocorre quando se compara a pena proposta para o aborto praticado após 22 semanas de gestação com o crime de infanticídio, que consiste em matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Nesse caso, onde o feto está para nascer ou acabou de nascer, a pena seria de detenção de dois a seis anos, significativamente menor do que o proposto no PL para um feto com apenas viabilidade presumida.
Como dito no início da coluna de hoje, o projeto repercutiu bastante nos últimos dias, tendo, inclusive, manifestação do Conselho Pleno do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), através de parecer, pela sua inconstitucionalidade, inconvencionalidade e ilegalidade, rechaçando-o e repudiando-o, pedindo ainda o seu arquivamento.
Para os leitores que tiverem interesse em sobre o assunto se manifestar, podem fazê-lo no site do Jornal Correio Centro Oeste (www.jornalcco.com.br), assim que a coluna de hoje lá for publicada e também podem dar sua opinião sobre o PL no próprio site da Câmara dos Deputados (www.camara.leg.br/enquetes/2434493). No momento em que escrevo essa coluna, 88% das pessoas que deram sua opinião, discordaram totalmente do projeto, conforme se percebe no gráfico ao lado.
Fontes: * Projeto de Lei nº.: 1904/2024; * Decreto-lei nº.: 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal