AUTA DE SOUZA: A DÁLIA DO HORTO

Confira mais este artigo de Francielle Ferreira em sua coluna Mística Literária

AUTA DE SOUZA: A DÁLIA DO HORTO

Auta de Souza foi uma grandiosa poetisa, nascida em 1876 e natural de Macaíba/RN. Estudou em colégio de freiras vicentinas francesas, aprendendo muito sobre literatura religiosa. Em virtude disso, vários de seus poemas cuidam de temas religiosos. Foi considerada a maior poetisa mística do Brasil. Ela faleceu na cidade de Natal com apenas 24 anos, em virtude de tuberculose. 

A poetisa começou a escrever publicamente na revista Oásis, da cidade de Natal, em 1894. Posteriormente, escreveu para os renomados jornais A República e A Tribuna. Inclusive, neste último, Auta usou os pseudônimos de Ida Salúcio e Hilário das Neves.

O primeiro livro de manuscritos da autora recebeu o nome de Dhálias e continha poemas elaborados entre 1893 e 1897. Já o segundo, intitulado Horto (1900), foi o único publicado e tinha manuscritos do livro anterior. Cumpre destacar que os exemplares dessa obra foram todos vendidos em dois meses. 

Ressalta-se ainda que o livro foi elogiado pelos críticos literários e também pela população. Esse resultado positivo deve-se à sensibilidade ímpar da poetisa, decorrente de uma vida permeada por muitas perdas – os pais faleceram quando era criança, viu o irmão morrer queimado e seu amado foi vítima de tuberculose – e por uma forte educação religiosa. 

Além do enraizado luto, Auta ainda tinha que lidar com sua doença – tuberculose – cujos sintomas surgiram quando ela tinha apenas 14 anos. Portanto, resta cristalino como a dor esteve presente em sua alma. Inclusive, o nome de seu livro (Horto) refere-se ao lugar de sofrimento onde Jesus Cristo foi preso e enfrentou grandes tormentos (Horto das Oliveiras). 

A profundeza de seus poemas aquece e também queima o âmago humano. Ela é certamente uma flor (dália) que brotou no horto da angústia. Imperioso, então, expor algumas das suas preciosidades:

No Horto

Oro de joelhos, Senhor, na terra

Purificada pelo teu prato...

Minh’alma triste que a dor aterra

Beija os teus passos. Cordeiro santo!

Eu tenho medo de tanto horror...

Reza comigo, doce Senhor!

[...]

Eu disse... e as sombras se dissiparam.

Jesus descia sobre o meu Horto...

Estrelas lindas no céu brilharam.

Voltou-se o riso, já quase morto.

[...]

Nas oliveiras do mesmo Horto, 

Enquanto orares, terás conforto.

[...]

Místico

Ao sair da igreja depois da comunhão

A chuva cai do céu e o 

Mundo é como um ermo,

Um deserto sem fim de

onde emigrou a luz...

Mas, que me importa a treva,

A escuridão sem termo, 

Se eu sinto dentro em mim

Quem fez o Sol – Jesus?

Ao Pé do Túmulo

Eis o descanso eterno, o doce abrigo 

Das almas tristes e despedaçadas;

Eis o repouso, enfim; e o sono amigo

Já vem cerrar-me as 

Pálpebras cansadas.

Amarguras da terra! Eu me desligo

Para sempre de vós...Almas amadas

Que soluças por mim, eu vos bendigo

Ó almas de minh’alma abençoadas.

Quando eu daqui me for,

anjos da guarda,

Quando vier a morte que não tarda

Roubar-me a vida para nunca mais...

Em pranto escrevam

sobre a minha lousa:

“Longe da mágoa, enfim,

No Céu repousa

Quem sofreu muito e

quem amou demais.”

Ressalta-se que foi feita uma lápide em homenagem à poetisa com os versos finais destacados nesse poema Ao Pé do Túmulo. Outra homenagem foi feita pela Academia Norte-Riograndense de Letras que lhe dedicou a poltrona XX, expressando a admiração por seu trabalho poético.